Mudanças entre as edições de "Joana Quiroga"
(25 revisões intermediárias pelo mesmo usuário não estão sendo mostradas) | |||
Linha 1: | Linha 1: | ||
− | |||
− | |||
− | |||
− | |||
− | |||
− | |||
+ | <br /> | ||
+ | '''''FERMENTO''''' | ||
− | + | <br /> | |
+ | Sou uma mistura: vinda da Filosofia, enveredei pela arte e acabei me tornando curadora, cozinheira, fotógrafa, escritora. Por longos anos me obriguei a ser somente uma coisa, porém todas tentativas fracassaram. O que percebi neste processo é que para mim há algo que unifica, ainda que não saiba explicar, tudo aquilo a que me dedico. De fato são tantas as relações que vejo entre estes e outros saberes que o único que se mostrou constante é a necessidade de revisitar este sentido que permite tais conexões e a reinvenção do modo de externá-lo. Isso me fez consentir de que não há como – nem porque – separar o que faço sendo mais ajustado, portanto, assumir e mergulhar neste indizível que me fundamenta. | ||
+ | |||
+ | No entanto, esta descoberta que relato é uma decisão muito nova – ainda que ela já houvesse sido tomada muito antes, sem que eu me desse conta, quando comecei a trilhar meu caminho pela arte. No momento presente o desafio se torna reunir aquilo em que atuo, deixando-o desenvolver desde esta nova perspectiva. Por isso a necessidade da pausa, do simples, sempre matéria tão fértil para o desafio de auscultar a complexidade. A oportunidade procurada com esta residência foi, portanto, propiciar novos diálogos entre estes saberes dando-lhes espaço para outros nascimentos, e buscar fazer do meu desconhecimento diante disso alimento para o futuro. | ||
+ | |||
+ | Por isso, propus para a residência algo simples e objetivo, no entanto cheio de simbolismos: fazer meu primeiro pão de fermentação natural. Neste tipo de fermentação uma das misturas de ingredientes mais básicas, farinha e água, é exposta ao tempo e ao espaço para que reaja às suas variações e às intempéries, exigindo daquele que deseja o pão a observação silenciosa e paciente. A fermentação nada mais é do que o processo de apodrecimento que, no entanto, se manejado de modo especial, num diálogo obediente às singelas e sutis demandas da vida que se torna presente naquela mistura, possibilita transformar a decomposição em alimento. | ||
+ | |||
+ | Esta pequenina aventura-experiência, consiste, deste modo, num microcosmos do que acontece comigo neste novo corpo de ideias, ainda pura potência que, aos poucos, na investigação e cuidado das interações, transforma-se em sustento para o que está por vir. | ||
+ | |||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | [[imagem:Fermentação_Natural_(reduzida)_(1).jpg|por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]][[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (2).jpg|por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]][[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (6).jpg|por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]]<br /> | ||
+ | |||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | * Consiga um pote de vidro. Limpe-o usando água quente. Deixe que esfrie. | ||
+ | * Faça uma mistura de farinha e água (filtrada ou mineral) na proporção de uma medida do primeiro para duas do segundo, até ficar homogênea. | ||
+ | * Cubra com um pano limpo, que permita a passagem de ar. | ||
+ | * Deixe o pote em local ao abrigo da luz, do vento e do frio. | ||
+ | * Aguarde. No mínimo um dia. | ||
+ | * Observe. | ||
+ | * Quando a mistura mudar seu cheiro e consistência, apresentando bolhas de ar, alimente-a com um pouco mais de farinha e água, na mesma proporção do segundo passo. | ||
+ | * Cubra com um pano limpo, que permita a passagem de ar. | ||
+ | * Deixe o pote em local ao abrigo da luz, do vento e do frio. | ||
+ | * Aguarde. | ||
+ | * Observe. | ||
+ | * Espere que a mistura responda com bolhas e repita a alimentação a fim de fortalece-la e mantê-la ativa. Número de repetições indefinido. | ||
+ | * Quando perceber que a mistura sempre responde com bolhas depois que alimentada, significa que tornou-se fermento e que está pronta para produzir o pão. | ||
+ | |||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | [[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (4).jpg|por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]][[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (5).jpg |por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]][[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (7).jpg |por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]][[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (8).jpg |por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]][[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (3).jpg|por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]][[imagem:Fermentação Natural (reduzida) (9).jpg|por omissão|por omissão|320px|Fermentação Natural - Joana Quiroga]] | ||
+ | |||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | * Uma vez com com o fermento, continue a alimentá-lo periodicamente a fim de que permaneça vivo. Caso você queira que ele gere o pão, alimente-o em maior quantidade até obter volume suficiente. Proporção: tomando a farinha como referência, a quantidade deve ser trinta por cento do peso de farinha que se decidiu usar. Observação: duzentos gramas de fermento ocupam pouco menos que duzentos mililitros. | ||
+ | * Separe a quantidade de fermento que usará para o pão. A parte que fica, alimente e aguarde a resposta com bolhas. Agora o fermento poderá ser mantido em geladeira e consequentemente alimentado em intervalos maiores. | ||
+ | * ''Importante: doe fermento sempre que possível.'' | ||
+ | * Alimente a parte separada para fazer o pão. Tampe e aguarde a resposta com muitas bolhas. | ||
+ | * Transfira para uma vasilha grande suficiente para misturar todos os ingredientes. Medidas: para cada quilo de farinha, usa-se cerca de quatrocentos mililitros de água e duas colheres de chá de sal. Mas tudo isso é variável. Talvez seja mais, talvez menos. | ||
+ | * Misture com as mãos ou uma colher até obter uma massa homogênea, úmida, mas que não grude muito. | ||
+ | * Usando o peso de seu corpo, sove esta massa com as mãos até que perceba que sua consistência tenha mudado: ela se tornará elástica e de textura uniforme. | ||
+ | * Cubra a massa com um pano e deixe-o descansar ao abrigo do vento, luz e calor e frio excessivos, até que dobre de volume. | ||
+ | * Retire o ar que se formou na massa, sove um pouco mais e molde o pão. Deixe-o descansar até que cresça novamente. | ||
+ | * Pré-aqueça o forno em temperatura alta (entre duzentos e duzentos e vinte graus). | ||
+ | * Asse-o até que ganhe uma cor dourada. Observação: o som do pão é uma das formas dele indicar que está pronto. Você deve ouvi-lo oco ao tocar em seu fundo. | ||
+ | |||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | Pelas fotos enquanto estava com a mão na massa, agradeço às queridas desbravadoras [[Marcela Antunes]], [[Camila Lacerda]] e [[Ana Cláudia Menezes]]. | ||
+ | |||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | <br /> | ||
+ | http://www.joanaquiroga.com |
Edição atual tal como às 18h24min de 3 de fevereiro de 2015
FERMENTO
Sou uma mistura: vinda da Filosofia, enveredei pela arte e acabei me tornando curadora, cozinheira, fotógrafa, escritora. Por longos anos me obriguei a ser somente uma coisa, porém todas tentativas fracassaram. O que percebi neste processo é que para mim há algo que unifica, ainda que não saiba explicar, tudo aquilo a que me dedico. De fato são tantas as relações que vejo entre estes e outros saberes que o único que se mostrou constante é a necessidade de revisitar este sentido que permite tais conexões e a reinvenção do modo de externá-lo. Isso me fez consentir de que não há como – nem porque – separar o que faço sendo mais ajustado, portanto, assumir e mergulhar neste indizível que me fundamenta.
No entanto, esta descoberta que relato é uma decisão muito nova – ainda que ela já houvesse sido tomada muito antes, sem que eu me desse conta, quando comecei a trilhar meu caminho pela arte. No momento presente o desafio se torna reunir aquilo em que atuo, deixando-o desenvolver desde esta nova perspectiva. Por isso a necessidade da pausa, do simples, sempre matéria tão fértil para o desafio de auscultar a complexidade. A oportunidade procurada com esta residência foi, portanto, propiciar novos diálogos entre estes saberes dando-lhes espaço para outros nascimentos, e buscar fazer do meu desconhecimento diante disso alimento para o futuro.
Por isso, propus para a residência algo simples e objetivo, no entanto cheio de simbolismos: fazer meu primeiro pão de fermentação natural. Neste tipo de fermentação uma das misturas de ingredientes mais básicas, farinha e água, é exposta ao tempo e ao espaço para que reaja às suas variações e às intempéries, exigindo daquele que deseja o pão a observação silenciosa e paciente. A fermentação nada mais é do que o processo de apodrecimento que, no entanto, se manejado de modo especial, num diálogo obediente às singelas e sutis demandas da vida que se torna presente naquela mistura, possibilita transformar a decomposição em alimento.
Esta pequenina aventura-experiência, consiste, deste modo, num microcosmos do que acontece comigo neste novo corpo de ideias, ainda pura potência que, aos poucos, na investigação e cuidado das interações, transforma-se em sustento para o que está por vir.
- Consiga um pote de vidro. Limpe-o usando água quente. Deixe que esfrie.
- Faça uma mistura de farinha e água (filtrada ou mineral) na proporção de uma medida do primeiro para duas do segundo, até ficar homogênea.
- Cubra com um pano limpo, que permita a passagem de ar.
- Deixe o pote em local ao abrigo da luz, do vento e do frio.
- Aguarde. No mínimo um dia.
- Observe.
- Quando a mistura mudar seu cheiro e consistência, apresentando bolhas de ar, alimente-a com um pouco mais de farinha e água, na mesma proporção do segundo passo.
- Cubra com um pano limpo, que permita a passagem de ar.
- Deixe o pote em local ao abrigo da luz, do vento e do frio.
- Aguarde.
- Observe.
- Espere que a mistura responda com bolhas e repita a alimentação a fim de fortalece-la e mantê-la ativa. Número de repetições indefinido.
- Quando perceber que a mistura sempre responde com bolhas depois que alimentada, significa que tornou-se fermento e que está pronta para produzir o pão.
- Uma vez com com o fermento, continue a alimentá-lo periodicamente a fim de que permaneça vivo. Caso você queira que ele gere o pão, alimente-o em maior quantidade até obter volume suficiente. Proporção: tomando a farinha como referência, a quantidade deve ser trinta por cento do peso de farinha que se decidiu usar. Observação: duzentos gramas de fermento ocupam pouco menos que duzentos mililitros.
- Separe a quantidade de fermento que usará para o pão. A parte que fica, alimente e aguarde a resposta com bolhas. Agora o fermento poderá ser mantido em geladeira e consequentemente alimentado em intervalos maiores.
- Importante: doe fermento sempre que possível.
- Alimente a parte separada para fazer o pão. Tampe e aguarde a resposta com muitas bolhas.
- Transfira para uma vasilha grande suficiente para misturar todos os ingredientes. Medidas: para cada quilo de farinha, usa-se cerca de quatrocentos mililitros de água e duas colheres de chá de sal. Mas tudo isso é variável. Talvez seja mais, talvez menos.
- Misture com as mãos ou uma colher até obter uma massa homogênea, úmida, mas que não grude muito.
- Usando o peso de seu corpo, sove esta massa com as mãos até que perceba que sua consistência tenha mudado: ela se tornará elástica e de textura uniforme.
- Cubra a massa com um pano e deixe-o descansar ao abrigo do vento, luz e calor e frio excessivos, até que dobre de volume.
- Retire o ar que se formou na massa, sove um pouco mais e molde o pão. Deixe-o descansar até que cresça novamente.
- Pré-aqueça o forno em temperatura alta (entre duzentos e duzentos e vinte graus).
- Asse-o até que ganhe uma cor dourada. Observação: o som do pão é uma das formas dele indicar que está pronto. Você deve ouvi-lo oco ao tocar em seu fundo.
Pelas fotos enquanto estava com a mão na massa, agradeço às queridas desbravadoras Marcela Antunes, Camila Lacerda e Ana Cláudia Menezes.