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Eu, você, graveto: propostas para uma performance sem fim
Este projeto se articula a partir da caça de gravetos e da construção estratégias de ludicidade com o ambiente circundante. A intensa pesquisa de materiais e as técnicas utilizadas para confrontar o público participante atribuem um aspecto relacional ao ato performático.
De acordo com Pelbart[1] (2003, p.22):
"(...) de que recursos dispõe uma pessoa ou um coletivo para afirmar um modo próprio de ocupar o espaço doméstico, de cadenciar o tempo comunitário, de mobilizar a memória coletiva, de produzir bens e conhecimento e fazê-los circular, de transitar por esferas consideradas invisíveis, de reinventar a corporeidade, de gerir a vizinhança e a solidariedade (...)?"
O devir-cão do performer, que insiste em buscar a composição de um corpo de interações sociais e ambientais, pode ser comparado à associação que Deleuze[2] institui entre o ato artístico e o termo resistência (1988-1989, p. 80): "Acho que, na base da arte, há essa idéia ou esse sentimento muito vivo, uma certa vergonha de ser homem, que faz com que a arte consista em liberar a vida que o homem aprisionou.". Invoca-se aqui também a imagem do um corpo sem órgãos[3], conjunto de significâncias e subjetivações, matéria restante após a retirada dos limites e estruturas condicionantes de um determinado corpo, ou ainda, organismo.
A dinâmica de trabalho que se pretende instaurar pressupõe, portanto, um processo de negociação do espaço e dos corpos. A interação com o público é estabelecida em três etapas, a saber:
(a) aproximação e reconhecimento do espaço e do público;
(b) estabelecimento de regras do jogo entre os participantes;
(c) dinâmica de lançamento e busca dos gravetos.
Algumas experiências/propostas também foram conduzidas para compreender melhor o contexto da residência para a realização dos trabalhos. Vale ressaltar que estas não são as performances em si, mas um instrumento para aferir o comportamento do público e as condições do ambiente:
(a) ‘momentum randômico’: romper com a rotina “despertar > café da manhã > trabalho > almoço > trabalho > jantar > cama”, realizando as performances em aparições-surpresa, sem no entanto provocar alarde ou chamar atenção. Um grunhido, no máximo será o permitido, quando raramente um latido apenas. Simplesmente não aparecer por alguns dias, provocando ansiedade e em alguns casos, preocupação (desnecessária e dispensável) do público. Realizar as tarefas domésticas no instante em que a necessidade se fizer inadiável. Ademais, dar sequência à pesquisa, evitando ser interrompida ou incomodada por fatores externos alheios à pesquisa.
(b) ‘exaustão total’: buscar a exaustão completa e total do corpo nas propostas performáticas envolvendo humanos e gravetos.
(c) ‘amplificação dos sentidos’: estimular a sensibilidade para saber o exato momento para entrar e sair do trabalho, como tentativa de encontrar o exato momento em que o corpo entra em seu estado performático e também sai dela, do relaxamento à tensão, à atenção total e vice-versa. Dedicar todos os sentidos à busca incansável dos gravetos e às estratégias de sedução ao público para a participação das performances.
(continua)
Obras
s/ título (homenagem à Jenny Holzer: Protect me From What I Want)
s/ título (apreender o público ou desvio do emissor)
s/ título (dê a mim o que me pertence)
s/ título (homenagem à Marina Abramovic: a artista está presente)
s/ título (nada é o que parece, e eu continuo presente)
Algumas considerações
(ou: mordi o rabo, e agora?)
Ainda muito longe de tirar conclusões acerca desta pesquisa intensa realizada durante a residência, alguns fatos tornaram-se frequentes no cotidiano, relatados a seguir:
(a) a natureza do meio ambiente, ou a paisagem natural em seu estado bruto oferece uma gama infinita de gravetos;
(b) propostas com o objetivo de levar os humanos à exaustão são rapidamente e facilmente atingidos;
(c) não há força da natureza que impeça um graveto atirado de ser encontrado;
(d) quanto mais gravetos são encontrados mais gravetos haverão de ser buscados.
Desde este ponto da investigação, no entanto, pode-se dizer que se confirmam os estudos teóricos e construções conceituais que antecedem as experiências relatadas nesta breve experiência como residente da Nuvem. Ainda de acordo com Deleuze[4] (2006, p. 267): "É isso, uma teoria é exatamente como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o significante. É preciso que sirva, é preciso que funcione.".
Anexo 1: Workshops
Anexo 2: Pesquisas e Processos
Através de imagens ilustrativas, é apresentado o processo e alguns resultados. Está claro que os padrões adotados referem-se à raça Labrador.
Notas
[1] PELBART, P. P. Vida Capital. Ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003.
[2] DELEUZE, Gilles. Abecedário. Disponível em: <htt:///www.oestrangeiro.net/esquizoanalise/67-o-abecedario-de-gilles-deleuze>. Acessado em: 07 de jan. 2013.
[3] DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3. São Paulo: Editora 34, 2008.
[4] DELEUZE, G. A ilha deserta. São Paulo: Iluminuras, 2006.