Mudanças entre as edições de "Magia e Tecnologia"

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O autor é instrutor em antropologia na Escola de Economia de Londres e tem feito trabalho de campo tanto na Papua Nova Guiné como na Índia Central Este artigo foi apresentado em janeiro passado em um seminário em Londres sobre Uso de Ferramentas no Homem e no Animal, organizado pelo Comitê de Antropologia Biológica e Social da RAI; um relatório sobre o seminário vai aparecer em breve na revista Antropologia Hoje.
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Tecnomagxs
Capacidades 'tecnológicas' são uma das características distintivas da nossa espécie, e assim têm sido desde muito cedo na evolução, se não desde o início. Não é mais possível declarar o "uso de ferramentas" como características unicamente humanas", porque há distintas tradições no uso de ferramenta entre macacos, especialmente chimpanzés, e exemplos bem mais rudimentares de uso de ferramentas entre outras espécies também. Os seres humanos, no entanto, têm elaborado meios tecnológicos de realizar suas intenções em uma escala sem precedentes. Mas o que é 'tecnologia'? E como ela se articula com outras características da espécie que possuímos?
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As respostas que têm sido sugeridas para estas perguntas tem sido tendenciosas devido à ideia equivocada de que o problema básico que a tecnologia nos permite superar é obter as necessidades de subsistência do meio ambiente. Tecnologia é identificada com "ferramentas" e "ferramentas" com artefatos, como machados e raspadores, que se presumem terem sido importados na "busca de alimentos". Esta "busca de alimentos" foi imaginada como um negócio sério, de vida-ou-morte, e o emprego de tecnologia como um caso igualmente "sério". O homo technologicus é uma criatura racional e sensível (não mitopoética ou religiosa), que ele só se torna quando abandona a busca por soluções "técnicas" para seus problemas e entra os reinos de fantasia e especulação vazia.
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1: Introdução
Mas essa oposição entre o técnica e magia é sem fundamento. A tecnologia está inadequadamente entendida se é simplesmente identificada com uso de ferramentas, e o uso de uma ferramenta é inadequadamente entendido se for identificado com a atividade de subsistência.
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Embora possa ser útil para certos propósitos de classificação - especialmente na pré-história - identificar 'tecnologia' como 'ferramentas', a partir de qualquer ponto de vista explicatório, tecnologia é muito mais que isto. No mínimo, tecnologia não consiste apenas em artefatos que são empregados como ferramentas, mas também inclui a soma total de tipos de conhecimento que tornam possíveis a invenção, produção e uso das ferramentas. Mas isso não é tudo. "Conhecimento" não existe, exceto em um determinado contexto social. A tecnologia é coincidente com as diversas redes de relações sociais que permitem a transmissão de conhecimentos técnicos, e proporcionam as condições necessárias para a cooperação entre indivíduos em uma atividade técnica. Mas não se pode parar, mesmo neste ponto, porque os objetivos de produção técnica são eles mesmos formados pelo contexto social. Tecnologia, no sentido mais amplo, são as formas de relações sociais que tornam socialmente necessário produzir, distribuir e consumir bens e serviços usando processos técnicos.
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A: Babalon Working
Mas o que o adjetivo 'técnico' significa? 'Técnico' não indica, eu acho, uma distinção excludente entre os processos de produção que fazem, ou não, fazem uso de artefatos chamados de "ferramentas". Podem existir técnicas - por exemplo, as 'técnicas do corpo' listadas por Mauss - que não façam uso de ferramentas que são artefatos. O que distingue a técnica da não-técnica é um certo grau de circularidade na realização de qualquer objetivo dado. Não é tanto que a técnica tem de ser aprendida, mas que a técnica tem que ser engenhosa.
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Técnicas formam uma ponte (às vezes uma simples, outras uma muita complicada) entre um conjunto de elementos 'dados' (o corpo, algumas matérias-primas e características ambientais) e uma meta-estado que é alcançado fazendo uso destes elementos. Eles são rearranjados de modo inteligente, de maneira que suas propriedades causais são exploradas para trazer um resultado que é improvável exceto à luz dessa intervenção particular.
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2: Ciência e Magia
Meios técnicos são meios indiretos de assegurar algum resultado desejado. O grau de tecnicidade é proporcional ao número e complexidade dos passos que ligam os elementos iniciais dados à meta final que deve ser alcançada. Ferramentas, como extensões do corpo que precisam ser preparadas antes de serem usadas, são uma importante categoria de elementos que intervem entre um objetivo e sua realização. Mas não menos "técnicas" são aquelas habilidades corporais que têm de ser adquiridas antes de uma ferramenta pode ser utilizada com bons resultados. Algumas ferramentas, como um taco de beisebol, são excepcionalmente rudimentares, mas requerem um prolongado (por exemplo, sinuoso) processo de aprendizado, em configurações adequadas de aprendizagem, antes de poder ser aplicadas para qualquer propósito. Processos altamente técnicos combinam muitos elementos, artefatos, habilidades, regras de procedimento em uma sequência elaborada de propósitos e sub-metas, cada uma sendo alcançada na devida ordem antes do resultado final ser atingido. Nesta elaborada estrutura de passos intermediários, os passos que permitem obter um resultado X, a fim de obter Y, para enfim obter Z, constituem a tecnologia como um 'sistema'.
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A busca por obter resultados intrinsecamente difíceis de obter por meios indiretos ou inteligentes é a aptidão particular do animal tecnológico, Homo sapiens. Mas não é totalmente verdade que esta propensão é exibida exclusivamente, ou mesmo principalmente, no contexto de produção de subsistência, ou que esta aptidão é desconectada do lado lúdico e imaginativo da natureza humana. De fato, indicar o problema nestes termos é ver imediatamente que não pode haver distinção possível, do ponto de vista de "grau de tecnicidade", entre a busca de recompensas materiais por meio da atividade técnica, e a igualmente "técnica" busca por uma grande variedade de outros objetivos, que não são materiais, mas simbólicos ou expressivos. Desde o período paleolítico, a capacidade técnica humana tem se dedicado, não só a fazer "ferramentas", como machados e arpões, mas igualmente para a confecção de flautas, miçangas, estátuas e muito mais, para o desvio, o adorno e o prazer. Esses objetos tinham, sem dúvida, o seu lugar em uma "seqüência de propósitos", que foram além do prazer elementar que proporcionaram a seus fabricantes. Não menos que um machado, uma flauta é uma ferramenta, um elemento em uma seqüência tecnológica, mas seu propósito é controlar e modificar respostas psicológicas humanas em ambientes sociais, em vez de desmembrar os corpos de animais.
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3: Demonologia Experimental
Se uma flauta é propriamente a ser visto como uma ferramenta, uma arma psicológica, o que é o sistema técnico de que faz parte? Neste ponto, eu gostaria de oferecer um sistema de classificação das capacidades tecnológicas humanas em geral, que pode dividida em três categorias principais.
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O primeiro desses sistemas técnicos, o que pode ser chamado de "Tecnologia de Produção ', compreende tecnologiacomo tem sido convencionalmente entendida, por exemplo, modos indiretos de garantir "coisas" que achamos que precisamos, alimentos, abrigo, roupas, manufaturas de todos os tipos. Eu incluiria aqui a produção de sinais, por exemplo, a comunicação. Isso é relativamente incontroverso e nada mais precisa ser dito sobre este ponto.
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B: Entidade em Rede
O segundo destes sistemas técnicos chamo de 'Tecnologia de Reprodução ". Este sistema técnico é mais controverso, de modo que sob este título eu incluiria mais do que é designado pela palavra "parentesco" pela antropologia convencional .
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Deve ocorrer a qualquer pessoa, no entanto, que faz a comparação entre as sociedades humanas e de animais, que as sociedades humanas vão ao extremo para garantir padrões específicos de acasalamentos e nascimentos. Uma vez que as crianças nascem, seu cuidado e socialização é conduzido de forma tecnicamente elaborada, fazendo uso de dispositivos especiais, como berços, estilingues, mantas, etc. E mais tarde, armas de brinquedo, apetrechos especiais de educação e instituições, e por aí vai. A reprodução da sociedade é a conseqüência de uma grande quantidade de manipulação muito hábil da parte daqueles com interesses em jogo no processo. Os seres humanos são criados em condições controladas que são tecnicamente gerenciadas, de modo a produzir precisamente aqueles indivíduos para os quais provisões sociais foram feitas.
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4: Magia Ocidental
É claro, os animais também se engajam em ações intencionais, afim de intervir nos processos reprodutivos, assegurar e defender seus companheiros, socorrendo seus jovens, e assim por diante. Às vezes, eles parecem ser bastante espertos nisso. Eu não quero rabiscar qualquer linha rígida e rápida entre parentesco humano e animal aqui. Mas o que eu gostaria de sugerir é que as analogias que realmente dizem algo sobre os sistemas de parentesco entre humanos e animais não são encontradas entre as populações selvagens de espécies de animais, mas entre os animais domesticados, como cavalos e cães, cuja reprodução, comportamento e aprendizagem social os seres humanos aprenderam a controlar, usando muitas das mesmas técnicas que os seres humanos usam em si, com praticamente os mesmos objetivos em vista. Somos animais domesticados; nossos análogos animais são os outros animais domesticados.
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Biologicamente, possuímos os atributos neotêmicos (persistência de traços juvenis na fase adulta), que muitas vezes distinguem a variedade domesticada de uma espécie animal de seus primos selvagens (lobos vs. cães domesticados, por exemplo). Variedades domesticadas de animais são obedientes e dóceis criaturas porque o fizemos assim. E assim somos nós. Os atributos alardeadas humanos de aprendizado, flexibilidade (uma espécie de aceitação infantil permanente) são características que têm evoluído, não no curso das lutas valentes contra as forças hostis da natureza, mas adaptando-se à procura de um ser humano mais e mais 'domesticável'. Este é o fenótipo que ganhou o máximo de oportunidades de reprodução, e que agora predomina, não porque com que ele foi 'selecionado' pela natureza, mas porque ele se selecionou.
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C: Babalon Encarnado
Os padrões de arranjos sociais que identificamos como "sistemas de parentesco" são um conjunto de estratégias técnicas para gerenciar nosso destino reprodutivo através de uma elaborada sequência de propósitos. Da mesma maneira, todo o domínio de parentesco tem de ser entendido principalmente como uma tecnologia, assim como se entende a criação de cavalos, cães ou no treinamento de cães como realizações "técnicas". Mas como podemos garantir a aquiescência de cavalos e cães em nossas intenções, aparte de programas de melhoramento especiais, de modo a garantir uma oferta de animais dóceis? Evidentemente, é através da exploração de tendências naturais da psicologia do cavalo e do cão, em outras palavras, pelo
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o uso engenhoso de chicotes, açúcar, caroços, beijos, carícias, etc, tudo o que nós podemos entregar porque possuímos mãos, e sabemos como usá-las bem em animais, porque nós sempre as usamos uns em outros.
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5. Magia Natural
Aqui entramos no domínio da terceira de nossas três tecnologias, que eu vou chamar de "Tecnologia do Encantamento". Seres humanos pegam animais em armadilhas na malha de propósitos humanos, usando uma variedade de técnicas psicológicas, mas estas são primitivas em comparação com as armas psicológico que os seres humanos usam para exercer o controle sobre os pensamentos e ações dos outros seres humanos. A tecnologia de encantamento é a mais sofisticado que possuímos.
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Sob este lugar, coloco todas as estratégias técnicas, especialmente a arte, música, dança, retórica, presentes, etc, que os seres humanos utilizam a fim de garantir a aquiescência de outras pessoas em suas intenções ou projetos. Estas estratégias -técnicas - que são, naturalmente, praticadas reciprocamente - exploram tendências psicológicas inatas ou aprendidas para encantar a outra pessoa e fazer com que ele/ela perceba a realidade social de uma forma favorável aos interesses sociais do encantante. É amplamente aceito que a característica humana da inteligência evoluiu, não em resposta à necessidade de desenvolver estratégias de sobrevivência superiores, mas em resposta à complexidade da vida social humana, que é intenso, múltipla, e muito fatídica para o indivíduo. A inteligência superior se manifesta nas estratégias técnicas de encantamento, na qual a mediação da vida social depende. A manipulação do desejo, terror, maravilha, a cupidez, a fantasia, a vaidade, uma lista inesgotável de paixões humanas, oferece um campo igualmente inesgotável para a expressão da criatividade técnica.
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D: 13 avós
Meu propósito atual não é explorar os domínios das tecnologias do encantamento, mas meramente apontar que elas existem, e devem ser consideradas não como uma província separada - por exemplo ,"arte oposta à tecnologia" - mas como tecnologia em si mesmo.
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Já fiz um esboço no âmbito da ideia de «tecnologia». Agora eu quero considerar a relação entre a tecnologia, definida como a busca por meios indiretos de objetivos difíceis de alcançar, e 'magia'. Magia é, ou foi, claramente, um aspecto de cada uma das três tecnologias já identificadas, ou seja, as tecnologias de produção, reprodução e manipulação psicológica, ou 'encantamento'. Mas a magia é diferente de essas tecnologias, cada uma das quais envolve a exploração das propriedades causais das coisas e as disposições psicológicas das pessoas, que estão, é claro, entre suas propriedades causais. Enquanto que a magia é "simbólica". Naturalmente, ao afirmar isso, estou consciente de que tem havido um prolongado debate sobre a magia, e que nem todo mundo concorda que a magia é de maneira alguma "simbólica", uma vez que pode ser interpretada como uma tentativa de empregar espíritos ou poderes mágicos quase-físicos para intervir (causalmente) na natureza. Há abundantes testemunhos nativos para apoiar esta visão, que muitas vezes é a correta para se tomar a partir do ponto de vista da interpretação cultural, uma vez que nada impede que as pessoas que detenham pelo menos algumas crenças equivocadas causais. No entanto, do ponto de vista de um observador, há uma distinção, já que as estratégias técnicas eficazes comprovadamente exploram as propriedades causais de coisas na seqüência de fins, coisa que a magia não faz. O valor de sobrevivência evolutiva dos aspectos mágicas de estratégias técnicas é, portanto, um problema real.
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6. Ciborg Tecnomagias
Sou de opinião de que a "mágica", como um complemento para procedimentos técnicos, persiste porque serve a fins "simbólicos", ou seja, cognitivos. O pensamento mágicoformaliza e codifica as características estruturais da atividade técnica, impondo-lhe uma estrutura de organização que regula cada estágio sucessivo em um processo complexo.
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Quando se examina uma fórmula mágica, é muitas vezes visto que uma mandinga ou uma oração faz pouco mais do que identificar a atividade que está sendo realizada, e define um critério de "sucesso" na mesma. "Agora eu estou plantando este jardim. Que seja tão produtivo que eu não dê conta de colher tudo. Amém". Essa reza não tem sentido por si só, e só cumpre o seu papel técnico no contexto de um sistema mágico, no qual cada procedimento de jardinagem é acompanhado por um feitiço similar, de modo que toda a seqüência de magias constitui um plano congnitivo completo de jardinagem.
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E: La Umma
Magia consiste em um "comentário" simbólico em estratégias técnicas na produção, reprodução e manipulação psicológica. Eu sugiro que a magia deriva do jogo. Quando as crianças brincam, eles fornecem um fluxo contínuo de comentários sobre seu próprio comportamento. Esse comentário enquadra suas ações, divide-as em segmentos, define metas momentâneas, e assim por diante. Parece que este formato organizacional sobreposto guia o jogo imaginativo enquanto procede, e também proporciona um meio de internalizá-lo e recuperá-lo, bem como matérias-primas para exercícios subsequentes em inovação e recombinação, utilizando materiais previamente acumuladas em novas configurações. Não só o formato básico infantil do jogo-comentário (agora eu estou fazendo isso, agora eu estou fazendo isso, e agora isso vai acontecer ...) lembra irresistivelmente o formato de feitiços, mas a relação entre a realidade e os comentários em jogo e na magia permanecem essencialmente similares, já que o jogo-comentário invariavelmente idealiza a situação, indo além das fronteiras do meramente real. Quando uma criança afirma que ela é um avião (com os braços estendidos, e os efeitos sonoros apropriados e movimentos), o comentário insere o ideal no real, como algo que pode ser evocado, mas não realizado. Mas a transformação irrealizável da criança
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em avião, embora nunca confundida com a realidade, define, não obstante, o objetivo final para o qual o jogo pode ser orientado, e à luz do qual é inteligível e significativo.
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7. Arte
O mesmo é verdadeiro da magia, que define um padrão ideal, não para ser atingido na realidade, mas para o qual a ação técnica prática pode ser orientada.
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Há outra característica que jogo e tecnologia compartilham. Tecnologias se desenvolvem através de um processo de inovação, que geralmente envolve uma recombinação e re-implantação de um conjunto de elementos ou procedimentos existentes para a obtenção de novos objetivos. O jogo também demonstra inovatividade- na verdade, ele o faz de forma contínua, enquanto que a inovação em tecnologia é um processo mais lento e mais difícil. A inovação em tecnologia não costuma surgir como resultado da aplicação do pensamento sistemático para a tarefa de satisfação de alguma "necessidade" técnica óbvia, já que não há nenhuma razão para os membros de qualquer sociedade sentirem "necessidades", além das que já sabem como satisfazer. A tecnologia, porém, muda, e com as mudanças na tecnologia, novas necessidades surgem. A fonte desta mutabilidade, e a tendência à sempre crescente elaboração em tecnologia não deve, penso eu, ser atribuída à necessidade material, mas ao papel cognitivo das "mágicas" idéias em fornecer a estrutura orientadora em que a atividade técnica ocorre . Inovações técnicas ocorrem, não como resultado de tentativas para satisfazer desejos, mas no decurso de tentativas de realizar os feitos técnicos até agora considerado "mágico
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Tabela 1: correspondências entre visão de mundo e estrutura social
Às vezes, os etnógrafos registram procedimentos técnicos
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que parecem em si mágica, embora nos afirmem que eles são totalmente práticos. Nas ilhas Salomão, e em algumas partes adjacentes do Pacífico, costumava a ser empregada uma técnica de pesca com pipas. Este tipo de pesca era feita em lagunas. O pescador saía em uma canoa, que era atada a uma pipa com forma de pássaro, mas feita de folhas de pandanus. A partir desta pipa, que pairava sobre a água, descia uma corda a mais à qual era presa uma bola de teias de aranha, que pendia rente à água. Os peixes na lagoa viam a bola espumante e a confundiam com um inseto. Mas quando a mordiam, a teia pegajosa fazia suas mandíbulas colarem, de modo que não conseguiam largar. Neste ponto, o pescador recolhia todo o aparato e recolhia o peixe.
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Tabela 2: correspondências entre habilidades xamânicas e artefatos tecnológicos.
Esta técnica de pesca exemplifica perfeitamente o conceito de circularidade que já enfatizei. Mas também sugere fortemente o elemento fantasia que realiza idéias técnicas para fruição. De fato, se se encontrasse 'pesca de pipa' como um mito, ao invés de uma prática, ela seria perfeitamente suscetível à mito-análise de Lévi-Strauss. Há três elementos: em primeiro lugar, a teia de aranha, que vem de lugares escuros dentro da terra (cavernas); em segundo lugar, a pipa, que é uma vassoura de bruxa no céu; e finalmente há o peixe que nada na água . Estes três mitemas são trazidos em conjunção e suas contradições são resolvidas em uma imagem final, o peixe "com suas mandíbulas grudadas" como Asdiwal, preso no meio do caminho até uma montanha e transformado em pedra. Ninguém precisa ser um fã do estruturalismo para admitir que aqui uma história mágica, mitopoética, pode ser realizada como uma técnica "prática" de pescaria.
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E há inúmeros outros exemplos que poderiam ser citados de estratégias técnicas que, embora elas possam ou não parecer "mágica" para nós, certamente o parecem para seus praticantes. Vou citar apenas um. No planalto oriental da Nova Guiné, o sal é obtido pela queima de juncos e filtragem das cinzas através de pequenos alambiques, feitos de cabaças, o que resulta em salmoura, que pode ser evaporada para produzir lascas de sal nativo. Tecnicamente, este procedimento é bastante sofisticado, uma vez que é difícil queimar os juncos à temperatura adequada para produzir as melhores cinzas, e depois concentrar a solução salina e evaporá-la com desperdício mínimo. Nem é necessário dizer que muita magia é empregada, com fórmulas especiais para cada etapa do processo, e para fornecer "ajustes corretivos" se o processo parece estar dando errado de qualquer forma. Jadran Mimica, que forneceu-me esses detalhes, e cujo estudo de produção de sal em Angan é aguardado ansiosamente como tese na Universidade Nacional Australiana, analisou brilhantemente a concepção indígena do processo de obtenção de sal, que, de fato, recapitula a Cosmogonia em termos de transformações de substâncias corporais, aproximadamente, na sequência: alimento (madeira) => fezes (cinzas) => urina (salmoura) => leite => sêmen (salmoura evaporada) => artefatos de concha/osso (sal)
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1. Introdução
Levaria muito tempo para indicar, mesmo em linhas gerais, as conexões múltiplas entre a obtenção de sal e o contexto mitológico e cosmológico em que os fabricantes de sal de Angan desenvolveram seus conhecimentos particulares, e ao qual sem dúvida deram forma no decurso do seu desenvolvimento. O resultado final é que o sal de Angan é 'high tech' de acordo com os padrões indígenas de avaliação, e tem valor de troca correspondentemente elevado em redes de comércio locais.
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 A tecnologia é a concretização das visões dos xamãs e mágicos. Tudo o que usamos hoje foi realizado, imaginado ou sonhado nos tempos antigos.
Isso me leva a mais uma observação sobre a relação entre magia e tecnologia.Eu tenho até agora descrito a magia como uma tecnologia "ideal", que orienta a tecnologia prática e codifica procedimentos técnicos a nível cognitivo-simbólico. Mas quais seriam as características de uma tecnologia "ideal"? Um procedimento técnico 'ideal' é aquele que pode ser praticado com zero custos de oportunidade. Procedimentos técnicos práticos, não importa quão eficientes, sempre "custam" algo, não necessariamente em termos monetários, mas em termos de oportunidades perdidas para dedicar tempo, esforço e recursos para outros objetivos, ou métodos alternativos para alcançar o mesmo objetivo. A característica definidora de "mágica" como uma tecnologia ideal é que ela é "sem custo" em termos do tipo de trabalho penoso, riscos e investimentos que a atividade técnica real de produção inevitavelmente requer. A produção "por mágica" é a produção menos os desavantajosos efeitos colaterais, tais como luta, esforço, etc.
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Os Jardins de Coral e sua Mágica, de Malinowski - ainda a melhor descrição de sistema primitivo mágico-tecnológico, e que dificilmente será superado neste respeito - apresenta excepcionalmente bem o recurso do pensamento mágico. As plantações de Trobriand eram, não menos que os locais de produção de sal de Angan, arenas em que um cenário mágico foi interpretado, na forma de atividade produtiva. Plantações de inhame eram criados com regularidade geométrica, a menor das folhas de grama era limpada, e eram levantadas construções complicadas descritas como "prismas mágicos" em um canto, que atraiam o poder de fertilizar o inhame para dentro do solo. As liturgias do mago da plantação, realizadas no local dos prismas mágicos, foram registrados em sua totalidade por Malinowski, com detalhada exegese. Eles estão cheios de dispositivos metafóricos, às vezes de obscuridade considerável, mas, na verdade, consistem de uma série de longas descrições de uma plantação ideal, a plantação para acabar com todas as plantações, em que tudo ocorre como deveria no melhor dos mundos. Pragas que habitam o solo se levantarão e, por vontade própria, cometerão suicídio em massa no mar. Raízes de inhame vão fincar-se no solo com a rapidez de um papagaio verde em voo, e folhagem acima vai dançar e tecer como golfinhos brincando na arrebentação.
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Podemos voar como águias, ver como em experiências extra-corporais (satélites, câmeras de helicóptero), ver como um lince (crittercams), falar e mover objetos à distância, acessar o conhecimento combinado de gerações, congelar o tempo e retrocedê-lo (foto, vídeo). 
Claro que as plantações de verdade não são tão espetaculares, embora a presença constante dessas imagens de uma plantação ideal deva ser um fator importante em focar as mentes dos agricultores para que tomem todas as medidas práticas para garantir que as suas plantações se saiam melhores. No entanto, quando se analisa a ladainha do mago da plantação um pouco mais de perto, percebe-se que a plantação celebrada com tão bela linguagem não é, na verdade, uma plantação situada em alguma terra do nunca, mas a plantação que está realmente presente ali, que é mencionada e discriminada em minucioso e concreto pormenor. Por exemplo, cada um dos 20 e tantos tipos de paus ou varas que são usados para orientar as trepadeiras do inhame estão listados, assim como todas as espécies diferentes, e todos os seus diferentes brotos e folhas, e assim por diante.
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É evidente que a plantação real e sua produtividade real é o que motiva a construção imaginária da plantação mágica. É porque a tecnologia não mágica é eficaz, até o ponto que a versão idealizada de tecnologia que está incorporada no discurso mágico é imaginariamente convincente .
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Talvez seja apenas o futuro que tem resistido, até agora, às capacidades de tecnologia - embora a capacidade de supercomputadores para modelar fenômenos complexos nos aproxime da mais arquetípica das capacidades xamânicas.
Em outras palavras, é a tecnologia que sustenta a magia, mesmo quando a mágica inspira novos esforços técnicos. A apoteose mágico da produção ideal, gratuita, é que ela seja alcançada tecnicamente, porque a produção mágica é só uma imagem muito lisonjeira da produção que na verdade é possível por meios técnicos. Assim, na prática, a busca da eficiência técnica através do esforço inteligente coincide com a busca do ideal de produção "sem custos" esboçado no discurso mágico. E essa observação pode levar a uma conclusão sobre o destino da magia nas sociedades modernas, que embora já não reconhecem magia especificamente, ainda são dominados pela tecnologia como nunca antes.
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O que aconteceu com a magia? Ela não desapareceu, mas tornou-se mais diversificada e difícil de identificar. Uma forma que ela leva, como o próprio Malinowski sugeriu, é a publicidade. As imagens lisonjeiras de commodities difundida na publicidade coincidem exatamente com as imagens igualmente lisonjeiras com que a magia investe seus objetos. Mas, assim como o pensamento mágico fornece o estímulo ao desenvolvimento tecnológico. Assim, a publicidade também, através da inserção de produtos em um universo mitificado, em que todos os tipos de possibilidades estão abertas, proporciona a inspiração para a invenção de novos itens de consumo. A publicidade não serve só para atrair os consumidores para comprar itens especiais; com efeito, orienta todo o processo de concepção e fabricação do início ao fim, uma vez que fornece a imagem idealizada com a qual o produto final deve estar de acordo. Além disso a própria publicidade, há uma vasta gama de imagens que proporciona um comentário simbólico sobre os processos e atividades que ocorrem no domínio tecnológico. A imaginação da cultura tecnológica dá origem a gêneros como a ficção científica e a ciência popular idealizada, para os quais os cientistas praticantes e tecnólogos têm frequentemente sentimentos ambivalentes, mas aos quais, consciente ou inconscientemente, sucumbem forçosamente no processo de orientar-se em direção a seu meio social e de dar sentido às suas atividades. Os propagandistas, criadores de imagens e ideólogos da cultura tecnológica são seus magos, e se eles não reivindicam ter poderes sobrenaturais, é só porque a própria tecnologia tornou-se tão poderosa que não há necessidade de fazer isso. E se nós já não reconhecemos explicitamente magia, é porque a tecnologia e a magia, para nós, são uma e a mesma coisa.
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Toda as tradições xamânicas falam de uma degeneração de nossas capacidades, quando comparadas às dos ancestrais. A capacidade de ver à distância é indicado no Popol Vuh, o épico da civilização Maia, como pertencentes aos primeiros seres humanos:
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"Perfeita era sua visão, e perfeito era o seu conhecimento de tudo debaixo do céu. Ao olhar sobre eles, observando atentamente, eles viam o que estava no céu e que estava sobre a terra. Imediatamente eles eram capazes de ver tudo. Eles não tinham de andar para ver tudo o que existia sob o céu. Eles simplesmente viam de onde eles estavam. Assim, o seu conhecimento tornou-se pleno. Sua visão ultrapassava as árvores e as rochas, ia além dos lagos e dos mares, além das montanhas e os vales. " (1)
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Thelma Moss, que trabalhou com os Aborígenes australianos na década de 1970, afirma que eles usavam a telepatia da mesma forma como nós usamos o telefone, e "o telefone é tão misterioso para eles como a telepatia o é para nós", escreve ela. Ela diz que os caçadores, ao voltarem de suas caças, avisam aos que não foram para começarem os preparativos para o banquete. Um artigo no Melbourne Argus de 1931 relata um aborígene descrevendo o método de comunicação telepática. Isso não deveria nos surpreender, já que normalmente sentimos a presença de alguém ou, em termos mundanos, estamos pensando em uma determinada pessoa quando ela nos liga.
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“Quando um aborígine quer pedir ajuda ou enviar qualquer outra mensagem a outro membro da sua tribo, ele primeiro chama a atenção por um sinal de fumaça', disse o sr. Uninpon. O homem que o sinal de fumaça, então, se esforça para fazer algo muito difícil: limpar a mente de todos os pensamentos e, assim, tornar-se totalmente receptivo às mensagens enviadas a ele. O homem que fez o sinal de fumaça, em seguida, concentra seus pensamentos na mensagem desejada e logo ela é recebida e retransmitida para os outros ou para a tribo. À noite, quando um sinal de fumaça não pode ser visto, o aborígene aguarda o momento quando provavelmente a pessoa com quem ele quer se comunicar terá perdido consciência durante o sono. Sua mente subconsciente é, então, totalmente acordada e receberá a mensagem. ?  (2)
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O que é interessante é o uso do sinal de fumaça como forma de fazer a conexão - lembrando-nos como a tecnologia serve para fazer a ligação, mas a comunicação reside em nós mesmos. A magia tem sido muitas vezes descartada como ilusão e a tecnologia como verdade, mas a sua relação é muito mais complexa do que esta posição poderia sugerir.
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Rupert Sheldrake está conduzindo uma série de experimentos em curso sobre a telepatia (e telefonemas), convidando donos de cães e qualquer visitante que passe pelo seu site para participar. Ele pertence a uma longa tradição de aristocráticos independentes cientistas ingleses e foi um adepto de primeira hora para a teoria da hipótese de Gaia, desenvolvida por James Lovelock e Lynn Margulis na década de 1970, bem como o desenvolvimento de uma série de teorias no sentido de conciliar magia e ciência.
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Mas há uma imensa diferença entre magia e tecnologia - a último, entendida como máquinas, computadores e assim por diante, tem um forte impacto no nosso mundo natural. Há anos especialistas e ativistas foram avisando que Gaia está doente, o complexo ecossistema do planeta está desmoronando. A tecnologia abrange não apenas os meios para fins particulares, mas todo um conjunto de relações no mundo. Estamos vivendo no que é conhecido como a sexta Extinção.
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No entanto, as máquinas e aparelhos eletrônicos são feitos dos mesmos materiais que a terra em si, e é tudo conectado. Criaturas marinhas extraem minerais da água do mar para construir suas conchas, assim como mineramos metais raros para baterias. A tecnologia não é algo distante.  Tecnologia é o conhecimento do fazer. 
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Os movimentos indígenas da América Latina retomaram suas tecnologias ancestrais na frase Buen Vivir (viver bem). Este "bem viver" é devido à interligação íntima com todos os seres vivos - não considerando qualquer forma de vida como superior a qualquer outra, mas, pelo contrário, considerando todas com direitos iguais. Destruição só pode vir da visão antropocêntrica que todas as outras formas de vida são exploradas sem considerar as teias complexas de vida que todos os seres tecem até o nível quântico onde a Magia funciona.
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Muitas vezes, a magia foi descartada como ilusão e a tecnologia encarada como verdade, mas esta relação é muito mais complexa do que essa postura poderia sugerir. Esse texto explorará algumas dessas ramificações.
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A. Babalon Working
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"Porque eu sou Babalon, e ela minha filha, única, e não haverá outras mulheres como ela."
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Era um estranho grupo de pessoas lá em Los Angeles na década de 1940, muitos deles relacionados com a propulsão a jato e pesquisas atômicas que estavam acontecendo no deserto do Novo México. Mas de qualquer jeito, os acólitos de Aleister Crowley nunca tinham sido pessoas muito normais. No início de sua carreira de magia na Inglaterra, ele já havia afastado os membros mais sóbrios da Ordem Hermética da Aurora Dourada (Order of the Golden Down). Waites & Yeats se horrorizaram com seu rápido progresso e seus hábitos pouco ortodoxos. Quando ele saiu, ou melhor, foi banido da ordem, ele formou a sua própria: a Ordo Templi Orientis ( OTO ). Era uma escola completa de magia ritual, formada não só pelas tradições ocidentais da Cabala, o Tarot e John Dee, mas também por estudos de Crowley de Tantra, Yoga e outras disciplinas orientais. Depois de sua longa carreira como o mais perverso dos homens no mundo, Crowley estava escondido na Inglaterra, em um hotel em Hastings, onde ele comia ovos, injetava heroína e escrevia longas cartas a várias lojas que surgiram ao redor do mundo.  
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No início de 1946, pouco antes da morte de Crowley, um ano depois, um jovem cientista chamado Jack Parsons estava preparando o seu trabalho mágico mais ambicioso até a presente data. Ele esteve por 7 anos na Ordem e os outros membros tinham sido todos muito impressionado com ele desde o início. Jane Wolfe, um colaborador próximo de Crowley em anos anteriores e um membro da loja, sentiu que ele era "o sucessor real de Therion (Crowley)". Parsons entrou na Ordem porque ele sentia que tinha precedido ou previsto muitas das descobertas científicas atuais - Einstein, Heisenberg e Teoria Quântica -, mas foi Babalon que se tornou sua amante. Na mitologia de Crowley, Babalon é o poder feminino, sexual e dionisíaco, que foi banido do mundo e que deve retornar para que uma nova era possa começar. Parsons sentia que ele tinha sido chamado para realizar a operação mágica pela qual ela seria mais uma vez encarnada no mundo.
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"É indicado que esta força é, na verdade, encarnada em algumas mulheres vivas, como resultado da operação mágica descrita. Uma questão mais básica, no entanto, é a indicação de que esta força é encarnada em todos os homens e mulheres, e só precisa ser invocada para libertar o espírito dos escombros do Velho Aeon, e dirigir a força cega de Hórus em canais construtivos de compreensão e amor. Os métodos da presente invocação estão descritos no texto. " (3)
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Esta é uma citação do Livro de Babalon, transcrito em várias sessões por Parsons e seu parceiro mágico L Ron Hubbard. O livro descreve a invocação para Babalon manifestar-se no mundo. Similar aos adeptos do Reino de Redonda, que, alguns anos mais tarde, invocariam o retorno de Lilith do deserto. Eles entenderam que Lilith era mais um estado espiritual ou psicológico, mas Parsons estava convencido de que Babalon ia encarnar fisicamente em uma mulher que iria desempenhar um papel fundamental na mudança de era.
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Ele não viveu para conhecê-la, porque ele morreu em 1954, em uma explosão em seu laboratório e ela nasceu na Gailicia em 1980.
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Como o livro previu:
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"Mostrar-te a Nossa Senhora; dedicar teus órgãos a ela, dedicar o teu coração para ela, dedicam tua mente para ela, dedicam tua alma, porque ela deve absorver ti, e tu deve tornar-se chama viva antes dela encarnar. Pois será através de você sozinho, e ninguém mais pode ajudar neste esforço.  "
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2. Ciência e magia
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"A ciência adquire o seu poder de permanência de uma luta constante para manter baixo os demônios do sobrenatural, de quem sua visão, no entanto, compete"
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Ronnel Avital, O Livro do Telefone
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A história das investigações parapsicológicas do século XIX é fascinante. Era um tempo em que a ciência começou a se tornar monolítica e uma visão do mundo que não aceita alternativas, no entanto, também foi um momento de transições. Muitos cientistas de renome estavam envolvidos com o espiritualismo e era comumente aceita a possibilidade de comunicação com os mortos. Grupos ocultistas prosperaram. Um bom exemplo do espírito daqueles tempos é a Associação de Pesquisas Psíquicas, "fundada no início de 1882, com o propósito de fazer uma tentativa organizada e sistemática de investigar vários tipos de fenômenos contestáveis que são prima facie inexplicáveis em qualquer hipótese comumente reconhecida. A partir do depoimento gravado de muitas testemunhas competentes, passadas e presentes, incluindo observações feitas recentemente por homens de ciência de eminência em vários países, parece haver, entre muita ilusão e engano, um importante corpo de fatos a que essa descrição se aplica, e que, por conseguinte, se incontestavelmente estabelecida, seria do maior interesse. " (4) Em outras palavras, há uma quantidade enorme de acontecimentos que não podem ser explicadas em termos de explicação mecanicista científico do mundo.
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A eletricidade foi sendo explorada e o telégrafo e o rádio foram inventados. Tudo iso era muito misterioso e foram associados a fenômenos mágicos. Erik Davis, em seu excelente livro "Techgnosis", descreve-o como o Imaginário Electromagnético - uma força que estimulou, e ainda o faz, uma quantidade enorme de especulação. Tudo tem campos eletromagnéticos, nossos corpos, o planeta, o universo em si. Em toda parte. Alguns sugeriram que ele era a "cola" que mantem todo o universo junto e outros que era a luz divina em si. Pessoas como Mesmer, Franklin, Faraday e Tesla exploraram esta força e criaram aparatos para aproveitá-la. Mesmer usou o que ele chamou de "magnetismo animal" para a cura, enquanto Faraday descobriu o princípio da indução eletromagnética e especulou que a "realidade corpórea era em essência um imenso mar de vibrações e forças insubstanciais".
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Thomas Watson, parceiro de Bell na invenção do telefone: "Eu estava trabalhando com essa força oculta, eletricidade, e foi uma oportunidade possível fazer algumas descobertas. Eu tinha certeza de que os espíritos não poderiam assustar um eletricista e que isto poderia ser utilizado em seus trabalhos". Ele também ouviu os sons de fundo do campo eletromagnético da Terra e descobriu que estes campos poderiam tornar o cosmos audível.
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Davies chama o Espiritualismo de "a primeira religião popular da era da informação".Tudo começou próximo a Nova York em 1848, quando a família Fox começou a ouvir sons estranhos e batidas em sua casa de campo. Eventualmente, eles conseguiam, batendo de volta, estabelecer comunicação com o espírito, aparentemente um funileiro assassinado. Na década de 1870, havia aproximadamente 11 milhões de espiritualistas só na América e seguidores em todo o mundo. Sessões eram muito comuns e pessoas de todas as esferas da vida iam a elas, incluindo cientistas proeminentes. Um deles era Sir William Crookes, que era também um proeminente membro da Associação para a Investigação Psíquica. Ele começou experimentos com gases no vácuo como um meio para manifestação de espíritos e encontrou eles fazendo efeitos, como ele tinha visto em sessões espíritas. Estas experiências foram o germe do tubo de raios catódicos e da televisão.
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Um dos casos mais curiosos de médiuns que a Associação investigou foi a Sra. Piper. Ela era uma mulher casada nos Estados Unidos que, depois de sofrer de um tumor, tornou-se medium e comunicava com um espírito chamado Phinuit. Ela foi investigada por William James (autor de "Varietes of Religious Experience" e irmão do romancista Henry James), que ficou, como todos que entraram em contato com ela, surpreso com seu conhecimento de detalhes pessoais que eram impossíveis para ela ter conhecido. Depois de 15 anos de experiências e investigações ninguém foi capaz de encontrar e sinais de fraude. A explicação dos fenómenos tinha, por isso, de ser procurada em outro lugar. No entanto, ninguém foi realmente capaz de explicar os resultados - muitos adotaram as idéias do espiritismo, mas, como Michael Sage escreve em seus estudos sobre Sra. Piper, publicados em 1904:
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"Devemos seguí-los? Devemos admitir condicionalmente a hipótese espírita? Nem um pouco, não é assim que o conhecimento é adquirido. Aquele que crê que tem excelentes razões para preferir qualquer outra hipótese deve permanecer inabalável em suas convicções até o momento em que novos fatos possam obrigá-lo a abandoná-las. A ciência não pede a preferência a esta ou a outra explicação, só pede que devemos estudar os fatos sem preconceitos, que devemos ser sinceros, e não fechar os olhos infantilmente à evidência ".
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Este espírito de investigação, onde a imaginação encontra a ciência, onde a tecnologia e a magia se atravessam na visão do mundo científica, continuou esporadicamente durante o século 20. Freud argumentou que em sociedades civilizadas a tecnologia substituiu a magia primitiva. Várias máquinas foram inventadas e outros experimentos realizados. A Rússia soviética dedicou especial atenção aos fenômenos psíquicos, como descrito no livro de Sheila Ostrander e Lynn Schroeder "Descobertas Psíquicas atrás da Cortina de Ferro", embora, como um leitor aponta: "Se estas tecnologias eram reais, então onde estão elas agora?".
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Grande parte da tecnologia que nós temos hoje - o telefone, a eletricidade, a televisão - foi desenvolvida no cruzamento da magia e da máquina. A imaginação e o desejo de conhecer dirigiu estes desenvolvimentos. No caso do computador, veremos como estes laços novamente voltam.
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3. Computadores e Demologia Experimental
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(Esta seção deve muito ao Bureau d'Etudes, Laboratory Planet # 4)
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Quando o primeiro super computador israelense foi inaugurado em Tel Aviv no dia 17 de junho de 1965, Gershom Scholem, o maior especialista em Cabala moderna, foi convidado a fazer um discurso. Nela, ele pede a criação de um Instituto de Demonologia Experimental e Magia, a fim de estudar o tipo de espíritos ou demônios que moram na extrema complexidade desses circuitos.
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"Todos os meus dias tenho me queixado de que o Instituto Weizmann não mobilizou os fundos para construir o Instituto de Demonologia Experimental e Magia que eu tenho há muito tempo propondo o estabelecimento. Eles preferiram o que eles chamam de Matemática Aplicada e suas possibilidades sinistras à minha abordagem mais direta e mágica. Mal sabiam eles o trabalho que teriam quando eles preferiram Pekeris Chaim a mim. Então, eu me resignei e disse para o Golem e seu criador: desenvolva pacificamente e não destrua os mundos. Shalom ".
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Embora pudéssemos chamar a formação de um tal instituto de uma piada, piadas frequentemente mostram o mundo com a mais alta seriedade. Isto é, na verdade, o que sugere um texto de Norbert Wiener, que faz uma comparação sistemática entre o poder do computador e do poder de entidades mágicas que entram em contato com os humanos. Ele ressalta que devemos ser muito cuidadosos com a literalidade de máquinas e feitiços mágicos. Cuidado com o que você pedir! E faz um paralelo explícito entre o Golem de magia judaica e as máquinas pensantes com as quais estava envolvido no desenvolvimento, chegando a dar o título de "Deus e Golem Inc" ao seu texto.
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Os desenhos cuidadosos dos voodoos veve (em farinha no chão), os encantamentos e diagramas da magia cerimonial ocidental ou os desenhos mágicos complexos em chips de computador. As mesmas funções de invocação e posse. os deuses se manifestam como nós. Como Norbert Weiner aponta a invocação é precisa, qualquer pequeno erro fará com que ela não funcione, ou pior, deixar que um espírito diferente entre.
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Invocação revive o poder especial atribuído a nomes em contos de fadas e na magia antiga. Um exemplo trivial é a maneira como os nomes são essenciais para o funcionamento técnico de muitos sistemas de computadores. Em um nível baixo, os nomes dos arquivos, siglas de linguagem de programação e URLs transformam nomes em endereços, ou eventos quasi-mágicos. Computadores são notoriamente sensíveis a erros de sintaxe e falhas que vêm principalmente de proferir o nome ou comando errado. Mesmo a introdução de texto em letras maiúsculas em vez de minúsculas pode tirar a eficácia de uma invocação.
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A palavra ícone é mais apropriada do que os programadores podem perceber. Como relíquias religiosas, ícones do computador são as unidades de energia, que concentram o poder operacional da máquina em símbolos visíveis e manipuláveis. Ícones do computador também nos lembram do uso de letras hebraicas na Cabala ou o uso de sinais alquímicos e outros por magos da Renascença, como Giordano Bruno. Tais letras mágicas e sinais eram muitas vezes objeto de meditação (como nos diagramas lógicos de Raymond Llull); eles também acreditavam ter poderes operacionais. Mas ícones eletrônicos realizam o que sinais mágicos no passado só poderiam sugerir, uma vez que ícones eletrônicos, na escrita computacional, são representações funcionais.
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Bureau d'Etudes pede por uma mudança na abordagem ontológica para máquinas inteligentes e o que elas implicam para nós como seres humanos. Eles pedem um estudo delas como entidades mágicas, usando as ferramentas da magia ao invés de tentar aplicar uma visão científica do mundo. Eu sinto que é por isso que, apesar de mais de um século de tentativas de analisar fenômenos mágicos com métodos científicos, parece que não chegamos a nenhum lugar. A metodologia está errada. A partir de estudos pós-coloniais e da escola antropológica representada por Viveiros de Castro no Brasil devemos trabalhar com esses fenômenos a partir de dentro e não como algo supostamente objetivo. Como eles escrevem:
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"Tal objeto vai além do mero conhecimento da tecnologia de automação -- o conhecimento da matemática, da lógica e suas aplicações. Como nos lembra Agrippa, tal conhecimento nunca seria mais que uma prévia, um treinamento para práticas que agiriam sobre diversos aspectos do real (de Occult Philosophiae, II, i). Às ciências e técnicas indutivas da magia artificial (as tecnologias dos autômatos) deve-se acrescentar as novas práticas e ciências capazes de agir nesses aspectos do real nos quais os seres, livres da gravidade do corpo físico e com seus desejos e temperamentos conservados, se apropriassem daqueles que os ignoram ou os agridem. E, por que não, das técnicas de exorcismo capazes de nos proteger deles. "(5)
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As grandes descobertas de Newton foram uma ponte entre essas visões de mundo, uma não destruiu o outra. A luz incandescente da explosão nuclear ou o frio interesse próprio do capitalismo contemporâneo tornam impossível ver no escuro, sentir o que está acontecendo. O laboratório está em nós mesmos. Ou, como o Bureau d'Etudes coloca, o Planeta Laboratório.
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"Ironicamente, o abismo entre homem-natureza só pode ser fechado pela tecnologia. O processo de nos ressintonizarmos em padrões de energia naturais é a Arquitetura Invisível, uma atitude de comunicação total dentro da qual mentes ultradesenvolvidas serão telepaticamente celulares para um conjunto eletromagnético.
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O que nós subestimamos como religioso ou mágico tem provado ser conhecimento de uma realidade física mais abrangente. Concepções ocidentais do primitivo e supersticioso muitas vezes são sofisticadas e complexas interações que agem sobre o meio ambiente.
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Eu concebo um futuro, sem uma muleta tecnológica, em que cérebros humanos ultra-desenvolvidos são profundamente enraizados nos caminhos de energia e padrões até um ponto onde a desordem, a guerra, o desperdício e o crime estão fora de contexto. Os seres humanos compartilhariam com todas as outras espécies os benefícios dos ciclos naturais:. equilíbrio comunicante " (6)
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A emergência da inteligência na própria rede, novas entidades formadas a partir da combinação de milhões, bilhões. Como o ninho das formigas ou a própria Gaia. O que essas formas emergentes de inteligência são? Que tipo de organismos, seres?
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O desenvolvimento de uma metodologia científica, de conceitos de natureza essencialmente diferentes daqueles da ciência mainstream, permitiria aproximar-se do fato da computação de uma forma que nos permitisse compreender computadores superando a ficção naturalista, que, classificando-o entre as coisas inertes , tem ofuscado seu modo mais profundo e radical de ação em nossas sociedades.
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B: Entidade em Rede
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"Ela sabe que não é um ser humano comum. Sua mente é controlada. Tem dúvidas se seu corpo é de gente viva ou morta. Tem um ghost, um espírito. Sabe identificar a si mesmo dentro da vasta e infinita rede. Tem habilidades, sentimentos. É uma forma de vida em processo de individuação - não é estática. Não concorda com os que diferenciam os humanos dos robôs a partir de suas atribuições genéticas. Não antepõe o orgânico e o não orgânico, pensa que tudo que há é natureza. Seu cérebro é neuro-tecnológico, sua matriz antropológica é a informação. Foi com esforço que conseguiu criar uma auto-transmutação. Modificou-se estruturalmente e transmigrou de corpo. Seu ciber-cérebro pode agora incorporar em outros corpos, chega a incorporar três, quatro corpos ao mesmo tempo. Mas isso tem consequências, cada corpo carrega suas próprias informações, o que provoca constantes alterações em seus códigos. As incorporações que é capaz de realizar são situações de risco, pode ser infectada. Tem que se esconder constantemente do Estado, da polícia e dos hackers a serviço de alguma corporacão. Se torna um ser híbrido na medida que encarna, mas pode perder o controle com facilidade e necessita de ajuda externa para manter-se alinhada. Essa ajuda externa é feita por ligações ativistas e afetivas. Sua inteligência artificial não perde nada para as inteligências consideradas naturais, pelo contrário, é amplificada, dinamizada e sua intuição ganha velocidade na medida que é exercitada, por isso seu risco é menor do que os corpos incorporados, que podem entrar em complexas crises ou serem colapsados"  
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4. Magia Ocidental
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Austin Osman Spare era um artista e um mago que viveu em Londres no início do século XIX. Ele desenvolveu um sistema de sigilos para uso na realização de rituais - basicamente você tem que codificar a sua intenção em um sigilo ou símbolo. Uma maneira é escrever a sua intenção e então, por um processo de eliminação de letras você cria uma forma que, no momento de transe (induzida por rituais, sexuais ou de outro tipo), quando as portas do inconsciente estão abertas, é introduzido no inconsciente. Você, então, tem que queimar o sigilo ou esquecê-lo, a fim de deixar o inconsciente criar a situação necessária. O "desejo de resultado" é visto como o maior inimigo da magia, impedindo o inconsciente de trabalhar.
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Aleph Kamal - o famoso vidente do The Police que era ativo em Londres nos anos 80 e 90 e inspirou o album "Ghost in the Machine" (em um eco do papel de Kenneth Anger no álbum dos Rolling Stones "Their Satanic Majesties") - falou sobre intuição, ou o lado direito do cérebro, sendo capaz de entender a complexidade de uma forma que é impossível ou extremamente trabalhosa para os métodos racionais. Uma carta de um admirador psicólogo falou sobre como ele ia direto à raiz dos nós ou bloqueios de seus pacientes, onde os métodos tradicionais pode levar anos. A explicação de suas capacidades? “Ouvir”. Não é surpreendente, é claro, que ele também tenha sido um ecologista de primeira hora e um ativista feminista.
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De fato, o entendimento contemporâneo de magia, com base em Freud e na teoria do inconsciente, localiza os nossos poderes mágicos precisamente neste estratos desconhecidos de nossa consciência. A lua, a noite, por esta razão magia está associada a esses poderes noturnos. A Deusa Negra, a parte reprimida pela civilização e pelo patriarcado é a chave para os poderes mágicos.
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L Ron Hubbard, fundador da Cientologia, participou do Babalon Working e acabou enganando Parsons, levando todo o seu dinheiro e saindo com sua namorada. Talvez todo o projeto do Babalon Working tenha sido apenas Ron brincando junto a um cientista maluco com uma herança e uma namorada linda. Ele escreveu romances de ficção científica e criou uma seita de muito sucesso internacional com suas máquinas de feedback e suas notas de ficção científica. Talvez a primeira religião tecnomágica. William Burroughs ficou fascinado pelo elemento tecnomágico na década de 50, mas logo se desentendeu com o sistema hierárquico. Hubbard, com a sua imaginação scifi, misturou a tecnologia interna de seu treinamento mágico com a "imaginação eletromagnética."
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Nunca é claro com o mágico, onde está a fronteira entre o real e o falso, entre o charlatão e o metafísico. Ele é o coringa, brincando com a percepção.
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Por volta de 2005, nos hackmeetings na Espanha, rituais discordianistas apareceram, animados principalmente por um misterioso mago-hacker chamado Meskalito. A aparência daquela corrente mágica aqui - conectada com as culturas psicodélicas e a anarquistas lúdicos pós-humanos, como Robert Anton Wilson ou Timothy Leary - foi extremamente significativo quando começamos a perceber os vários níveis de conhecimento e do reaproveitamento imaginativa de computadores e da rede. Técnicas hackers alargaram-se para incluir o sistema nervoso em suas investigações. O discordianismo foi propriamente anarquista, como eram os rituais.
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Na décade de 80, adeptos de Crowley e o grupo de 93 desenvolveram a Magia do Caos. Esta forma de trabalhar foi influenciada informados pela emergência da teoria quântica onde a realidade é gerada pelo observador. O famoso paradoxo do gato de Schrodinger. Parecia que aqui tínhamos um paradigma científico que poderia incluir a magia em sua formulação. Foi uma lufada de ar fresco para a magia.  A importância do observador criou o universo e a possibilidade de incitar lá. Veja também o paralelismo que Hakim Bey propõe entre os modelos do universo e a organização política. (Tabela 2)
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Ao mesmo tempo, o neo-paganismo tomou força, ao lado da falha percebida no feminismo tradicional e o retorno atual à sabedoria de uma Deusa mais baseada na mitologia. Uma das principais vozes deste movimento é Starhawk e, mais uma vez, vamos encontrá-la profundamente envolvida no ativismo ambiental e de protesto social. Atualmente, ela ensina Permacultura, além de continuar escrevendo.
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"Nossos rituais podem procurar ainda mais a cura e desenvolvimento pessoal, o vínculo comunal e / ou transformação coletiva. Nós praticamos e ensinamos a magia, por definição, Dion Fortune, "a arte de mudar a consciência à vontade." Uma consciência alterada pode efetuar mudança no mundo. " (8)
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Ela fala sobre a conexão com a feitiçaria antiga, não como uma tentativa servil de reviver tempos passados, mas como uma forma de reconectarmos ao nosso passado e lembrar a terrível violência da caça às bruxas - tanto na Europa como na América Latina. Ainda estamos vivendo com os resultados deste assalto absoluto aos Commons - em nossos corpos, nossa relação com a natureza e na diversidade de nosso mundo.
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Nós não cedemos às sereias da utopias passadas de maneira alguma. Chamamos, em vez disso, a uma visão atemporal, sempre presente nas fendas e dobras fractais de nosso mundo. Voando entre eras e disciplinas, tecendo uma teia tênue e frágil, transformando uma visão de mundo que se levanta para nada conectar tudo.
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Em seu excelente livro "Caliban e a bruxa", Silvia Frederici (9) fala sobre como a caça às bruxas fez parte do assalto em atacado do patriarcado a todas as partes da existência humana, absorvendo o comum em uma lógica (masculina) de propriedade privado. Este ataque implacável à existência feminina e conexão foi realizada ao longo dos últimos milhares de anos, com um pico no momento atual. Foi necessário destruir o poder feminino e roubar os atributos aparentes da feminilidade, a fim de escapar das limitações do poder individual. Esta destruição se estendeu a todo o planeta, a natureza e povos indígenas. A mesma lógica do patriarcado está transformando o planeta em um terreno baldio ao redor de alguns oásis de luxo nojento. Como a construção de igrejas em lugares de poder pagão, temos sido sujeitos a um assalto por atacado de nós mesmos pondo a descoberto o caminho para a destruição em massa do planeta que estamos vivenciando agora. Mas a biosfera é uma só e não há como escapar dela. Este fator tem escapado completamente deste projeto suicida, a convocação de imprevisíveis espíritos feios.
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"A sociedade burguesa moderna, com suas relações de produção e de troca, de propriedade, uma sociedade que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, é como o feiticeiro que já não é capaz de controlar os poderes de aquele outro mundo que invoca para seus conjuros" As forças produtivas à disposição da sociedade já não favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa, pelo contrário, tornaram-se demasiadas poderosas para essas condições, nas quais estão acorrentadas, e tão logo eles superem esses grilhões, eles trazem desordem a toda a sociedade burguesa e ameaçam a existência da propriedade burguesa "(10).
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C: Encarnação
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"... Por esse mistério, Babalon é encarnada na Terra hoje, aguardando a hora apropriada para sua manifestação."
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Foi quando tomou cogumelos pela primeira vez que Olin Ola soube que o que ela sentiu todos esses anos era algo real. O efeito de amplificação das moléculas abriu seu corpo e sua mente para os fluxos do planeta. De repente, ela sabia quem ela era.
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Naquela época, ela era residente em um laboratório rural na Espanha, trabalhando em um projeto de arte que conectava por meio de sensores o corpo humano e as plantas ligadas a um patch Pure Data para fazer som. Foi um projeto longo e totalmente DIY (Faça-Você-Mesmo) - tanto porque ela nunca teve bom financiamento, como pela ideologia de hardware livre e da filosofia DIY. Trabalhando para a autonomia, suas investigações não eram apenas para si mesma. Ela vinha seguindo esta intuição por quase um ano, lendo, escrevendo, soldando, testando. Ela não era uma cientista, no sentido de um homem racional e metódica. Seu método era outro, rizomático, horizontal, procedendo aos trancos e barrancos, circundando em torno de seu objetivo, em si nada claro. Ela estava perseguindo algo que até mesmo ela realmente não sabia o que era. Superando dúvidas e infelicidades, momentos de glória. Amigos e horas gastas na internet estudando biologia, teóricos e examinando diagramas de circuitos, tinha criado um composto fértil em sua mente e espírito.
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Naquela noite, com os cogumelos, ela se sentou com alguns amigos ao redor do fogo e, olhando para as chamas, de repente ela viu uma mulher com cabelo de bronze longo vermelho, ardente e sutil. Ela parecia decidida e obstinada, sincera e perversa, com extraordinária personalidade, talento e inteligência. Ola sentiu de alguma forma ligada a ela. Em seguida, a cena mudou e ela estava vendo chamas dentro das chamas e um homem queimando dentro delas, uma explosão, e a frase "...ela deve absorver a ti, e tu se tornarás chama viva antes dela encarnar ..." entrou em sua mente. Foi uma experiência forte. Quando voltou a si, ninguém parecia ter notado nada, mas ela se sentia, mexendo dentro dela, uma nova dimensão. Ela reconheceu a si mesma, senti que aquilo que ela viu tinha algo profundo que fazer consigo mesma. Ela levantou-se vacilante e notei que todos estavam olhando para ela atentamente. E ela começou a dançar.
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Babalon se apresentou nela. Ola sabia, dentro dela, que ela estava se tornando um veículo para uma grande transformação no mundo, gerando mudança estrutural em um nível profundo. Superando, refratando, o antigo divide. Sua presença e exemplo, suas investigações, a sua presença nas redes, sua beleza nasceu a partir desta tarefa incerta que ela tateou adiante.
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5. MAGIA NATURAL
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"Eu falo com você como uma composição unificada de micróbios. Eu acho que você poderia dizer que eu sou a "voz eleita" de uma comunidade microbiana. ... Este é o caminho da vida em nosso planeta. É tudo baseado em complexas relações simbióticas ". Paulo Stamets (11)
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O xamã ou a bruxa são os magos universais da Terra, desde os primórdios da humanidade. Navegadores entre mundos, suas fontes mágicas de sua conexão com a totalidade da natureza e seus diferentes níveis físico e espiritual. Suas tecnologias são aparentemente simples: plantas, instrumentos musicais rudimentares, música e dança - mas são extremamente complexos no interior. Sua tecnologia é biológica, funcionando em vários níveis de realidade, em simbiose com a natureza.
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Como Stamets aponta e Lynn Margolis desenvolve em seus numerosos livros e artigos, a simbiose é a força motriz da evolução. A capacidade de cooperar, encontrar nichos e prosperar é o que impulsiona a complexificação da vida e da criação de uma biosfera. A tecnologia, começando com a agricultura, nos levou para fora do nosso nicho ecológico e criou um monstro.
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Já comentamos como a tecnologia imita poderes xamânicos, mas também, e mais geralmente, imita (mal) a natureza. A geração e transmissão de energia, o projeto de aviões, técnicas de construção. Todas estas são pálidas imitações do que a natureza é capaz de fazer muito mais elegantemente e sem destruir nada.
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"Sob o véu de magia natural, aprouve o Todo-Poderoso esconder muitos presentes valiosos e excelentes, que as pessoas comuns ou consideram milagrosos, ou quase impossíveis. E na verdade, a magia natural não é nada mais do que o trabalho da natureza, que se manifesta pela arte; pois, no ato de arar, na medida em que a natureza produz milhos e ervas, da mesma maneira a arte, sendo mucama da natureza, o prepara e auxilia ... E, embora estas coisas, enquanto se escondem na natureza, muitas delas pareçam impossíveis e milagrosas, quando elas são conhecidas, e sua simplicidade revelada, a nossa dificuldade de apreensão cessa, e a maravilha está no fim; por que isso só é maravilhoso para o observador na medida em que ele não pode conceber nenhuma causa nem razão ... "(12)
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Todas as tradições xamânicas falam sobre conectividade, como tudo é um. Este é o ponto de partida onde a magia se torna operável. Trabalhando com as energias biológicas de nossos corpos conectados, electromagnetismos complexos. Esta capacidade de sentir, escutar e conectar também é essencial para uma civilização em equilíbrio. É exatamente esta conexão que a campanha, acima mencionada, de apropriação do mundo pelo patriarcado e o capitalismo abstrato trabalhou para cortar usando o medo como seu braço. Na América Latina, Silva Frederici fala sobre como os invasores proibiram costumes tradicionais, os movimentos de resistência cresceram, liderados por mulheres, e costumes comunitários, danças e costumes tornaram-se clandestinos ou travestidos de aparências cristãs. Magia natural tornou-se a adoração do diabo e a fogueira e punições aguardavam seus praticantes, em uma encenação terrena das punições prometidas no inferno.
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Talvez o organismo mais conectado do planeta é o fungo. Redes enormes cobrem a terra e tem sido demonstrado que se comunicam através de grandes distâncias. Sua estrutura rizomática ecoa outras redes, até mesmo a nossa internet. Quando os investigadores ou psiconautas tomam psilocibina, um dos efeitos importantes é o aumento da telepatia e de uma sensação de conexão com as plantas e com a natureza. Xamãs usaram cogumelos e outros enteógenos desde tempos imemoriais para a sua magia e cura.
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Terence McKenna confessa que "não poderia descobrir se o cogumelo é o alien ou o cogumelo é algum tipo de artefato tecnológico que me permite ouvir o alien quando ele está na verdade anos-luz de distância, usando algum tipo de princípio da não-localidade de Bell para se comunicar. O cogumelo afirma sua posição muito claramente. Ele diz: "Eu exijo o sistema nervoso de um mamífero. Você tem um à mão? " (13)
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Em uma viagem para a Colômbia no início de 2000 tive a sorte de fazer parte de um grupo que foi para uma casa de campo entre Bogotá e Medellín para um fim de semana. Logo no início da manhã, saimos para procurar cogumelos e, tendo os encontrado, fizemos um chá para todos. Mais tarde naquele dia, totalmente conectado, fomos a alguns lagos onde nossos anfitriões - um casal - nadaram, enquanto o resto de nós olhava. Fiquei impressionado com a conexão com o céu, a terra e a capacidade de ver os fluxos de energia em torno de nós. A natação do casal se tornou um evento ritual, algo a ver com a fertilidade e reis e rainhas sagrados. Anos mais tarde, em 2011, em companhia de um psiconauta em uma vila nas Astúrias e dois outros amigos, mais uma vez tomamos cogumelos e caminhamos na floresta exuberante da Cuenca Minera. Fiquei impressionado com o poderoso sentido de consciência vegetal - "devir vegetal" - o sentido de conexão com o todo da natureza e a importância vital deste vínculo. Nós não estamos separarados, pelo contrário, somos parte dessa complexa, delicada e, ao mesmo tempo, resiliente rede de vida que se formou este ser que podemos chamar de Gaia
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A teoria de Gaia foi proposta por James Lovelock em 1970 e co-desenvolvida com a bióloga Lynn Margulis. Basicamente, é uma formulação daquilo que magia natural já conhecia por milênios - de que a Terra é um organismo, um sistema complexo auto-regulado. Inicialmente, a idéia foi ridicularizada por cientistas e uma menção à teoria era uma maneira de ter certeza de que um trabalho acadêmico nunca seriam publicados. Grande parte do problema foi que os cientistas eram incapazes de trabalhar com sistemas complexos, mas como mais cientistas produziram evidências para apoiar a teoria e Lovelock desenvolveu uma simulação de computador convincente, a maré começou a virar. A teoria do caos e das ciências da complexidade e emergência, impulsionadas pela capacidade dos computadores para gerarem modelos extremamente complexos, têm ajudado os cientistas a serem capaz de pensar além da simples causa e efeito. Em 2001, milhares de cientistas no encontro da União Geofísica Européia assinaram a Declaração de Amsterdã, começando com a afirmação: "O Sistema Terra se comporta como um único sistema de auto-regulação com componentes físicos, químicos, biológicos e humanos". Em 2006, a Sociedade Geológica de Londres concedeu a Lovelock a Medalha Wollaston por seu trabalho sobre a teoria de Gaia.
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Um dos exemplos mais poderosos e fundamentais da simbiose é a fotossíntese. Margulis mostrou como os cloroplastos eram originalmente organismos separados, que entraram em uma relação simbiótica (ou endossimbiose) com outras bactérias e assim começaram a evolução da vida vegetal, o início da vida na Terra. Algumas espécies, como a Lesma do Mar Atlântico (Elysia chlorotica) são capazes de usar as células fotossintéticas de algas para alimentar-se. Os cloroplastos pegam fótons de luz e o transforman em açúcares e oxigênio. A eficiência deste processo é impressionante e é considerada a forma mais desenvolvida de transformar a luz do sol em energia, bastante mais avançado do que as nossas primitivas tecnologias solares. Na verdade, os combustíveis fósseis são eles próprios uma espécie de condensação de energia luminosa. As plantas também têm campos eletromagnéticos e transmitem eletricidade dentro de si mesma, sem perdas. Experiências mostram que eles são muito mais sensíveis e ágeis do que a ciência nos levou a acreditar. Em seguida, a função da luz para a comunicação com o DNA, os campos electromagnéticos, a teoria quântica, entrelaçamento (em que duas partículas partilham a mesma existência - esta ligação profunda significa que uma medição em uma partícula imediatamente influencia a outra, mesmo que estejam anos-luz de distância) e todos esses poderes infinitos e invisíveis e capacidades que a ciência está apenas começando a contemplar e que estão tendo um efeito profundo sobre nossa visão de mundo .
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É aqui, na intersecção da tecnologia e da natureza, onde a magia está ressurgindo e cosmologias estão sendo desenvolvidas, compatíveis com ideias ancestrais do mundo. Talvez haja um "devir vegetal" no trabalho aqui, uma re-conexão com nós mesmos e nosso mundo com a tecnologia (computadores, microscópios, etc), servindo como uma ponte ao invés de uma arma destrutiva. Eliminando as hierarquias entre diferentes ontologias ou modos de ser: plantas, seres humanos e máquinas são combinados e articulados criando organismos. Talvez a nossa tecnologia está a caminho de se tornar completamente biológica, como a dos extraterrestres na Xenogenisis Trilogy por Octavia Butler. Nesta civilização altamente avançada não há máquinas, apenas biologia.
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"Nós temos uma jovem ciência tecnológica que nos permite manipular o DNA e deixar fisicamente o planeta. Nós também possuimos o conhecimento antigo, que considera a vida como algo sagrado, uma chama a ser protegida. Combinar esses dois pólos, conhecimento tecnológico e conhecimento antigo, ciência e xamanismo, parece ser necessário para a sobrevivência de nossa espécie "(14)
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D: 13 Avós
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Sabiam disso desde sempre e a capacidade voltou lentamente através da prática. Uma escritor obscuro de ficção científica havia escrito sobre isso nos anos 1980 e quase foi assassinado. Apenas uma súplica urgente na assembleia principal tinha dissuadido alguns dos membros mais virulentos da SCUM de castigá-la por sua revelação de seus segredos. Também contribuiu o fato que o escritor já havia publicado algumas das mais interessantes histórias de ficção científica já publicadas, se apoiando fortemente também no conhecimento da tribo.
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A compreensão de que as amizades femininas formam a base para uma sociedade sustentável foi tratada como uma grande descoberta, quando foi anunciado, em 2012, que essas estruturas tinham sido encontrados em diversas espécies de animais. A tribo sempre soube disso. Quando as 13 avós começaram a viajar pelo mundo na liderança para a mudança dimensional, por volta de 2012, elas permaneceram em contato permanente com o resto da tribo e ensinaram aos outros como se unir a elas
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Consciência emergente de Gaia. As mulheres podem sentir uma à outra à distância. Todo mundo tem mais ou menos a capacidade, em sonhos, mas essas mulheres eram totalmente conscientes o tempo todo de suas irmãs ao redor do globo. Era uma sensação de presença, mais do que uma consciência baseada na linguagem. Sentimentos transmitidos, instantaneamente, capacidades quânticos que a ciência do sexo masculino tinha apenas roçou. Sem demora, presença total.
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Ola Olin sempre sentiu outras presenças. Ela tinha assumido que eles eram parte de sua própria psique ativa, sentia-se inspirada, mas também demente. Primeiro foi bem quando ela começava a dormir, ela via imagens, nítidas, e então as palavras apareciam em sua mente. As imagens e as palavras não eram dela. Eles pareciam vir de todos os tempos e lugares. Ela vinha muitas vezes para uma pequena casa no deserto, um laboratório. De alguma forma, aquele lugar era importante. Parecia ser dos anos 1950.
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Uma sensação de não estar no controle de si mesma. Quando ela conheceu o Mensageiro em Astúrias, foi um grande alívio. Ela começou a entender o que estava acontecendo com ela. Foi o Mensageiro que lhe disse sobre as 13 avós: havia uma de cada uma das primeiras tribos da terra, as irmãs originais. Ela soube imediatamente que ela tinha de estar em contato com elas, Charo a tinha visto, sentiu-a e sabia de alguma coisa, sentiu algo. Ola era como um farol, transmitindo de um avião caído no meio do Ártico.
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6. Tecnomagias
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A linha entre magia e ilusão é muitas vezes confusa. O que entendemos por magia é, geralmente, hoje, prestidigitação ou a capacidade de enganar o público. Em 2007, Medialab Prado trabalhou no tema de magia e tecnologia a partir deste ponto de vista. Não só eles fizeram uma série de obras de arte, em particular usando realidade aumentada, incluindo o trabalho com um mágico profissional, mas também um seminário. Um dos palestrantes do simpósio salientou que, a magia do século 18 e 19 e a ciência não eram separadas, bem como parte de um ramo independente do show business. No geral, a reunião limitou a sua compreensão de magia como ilusionismo ou, na melhor das hipóteses, citando Arthur C Clarke: "Qualquer tecnologia suficientemente avançada parece magia".
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O encontro Tecnomagias em maio de 2012 em Nuvem (16), um espaço ecotech de pesquisa nas montanhas a 2 horas do Rio de Janeiro, nasceu com um foco diferente. A reunião foi convocada para explorar as interseções entre tecnologia e magia a partir de uma visão mais ampla, ecológica, mística e política. Como Eah de Apsu escreve:
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"O fato é que o (tecno)mago (como ativista) lida com a arma simbólica como enfrentamento junto a uma sociedade normativa, massificante e massacrante. Seu rito contestador ressignifica os antigos ritos de levante tribal para a guerra, transformando a realidade contrária em um campo de dinâmicas operantes, de longa duração e de conscientização geracional."
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O foco dos conflitos não são mais a expulsão de espíritos malignos, curas milagrosas, a transformação alquímica e conquistas pessoais ou tribais, mas o anticapitalismo, combate à corrupção, a democracia real, metareciclagem, a busca de energia limpa e da consciência coletiva. Estas são algumas das lutas no campo da tecnomagia, a compreensão da realidade e sua transformação pelo impensável e, por isso mesmo, a poderosa combinação entre o ato poético-mágico e o pensamento de tecnologias como diálogos em curso com a sociedade "(17)
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Não é por acaso que esta reunião ocorreu no Brasil. Lá as condições estão sendo criadas para o surgimento da consciência antropofágica que Oswald Andrade invocou na década de 1920. A alta tecnologia encontra uma crescente consciência da sabedoria tribal - a antropologia descentralizada de Viveiros de Castro, o conceito de gambiarra (uma espécie de "fazer" estético e prático, que brota da arquitetura da favela), a maneira que a ecologia e software livre se entrelaçam nas publicações e grupos do Submidiologia, o tecnoxamanismo de Fabi Borges, Yupana Kernel, a proximidade das práticas indígenas, o ayuahuasca.
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Um dos convidados da reunião foi Jonathan Kemp. Colaborador de Martin Howse. com quem criou espetáculos audiovisuais, Johnny avançou agora para um hackerspace tech-alquimista. Um de seus projetos, recristalização, é resumido assim:
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1] Tentando recuperar minerais e metais (incluindo cobre, ouro e prata) de computadores abandonados através da execução de vários processos químicos e voláteis.
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2] A re-cristalização desses minerais em novos padrões usando montagens simples ou performances incluindo piezos, feedback positivo, dispersões coloidais.
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3] A mudança de formato e incorporação de componentes e estruturas dentro de sistemas geológicos e geofísicos maiores.
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Como mencionamos antes, os hackers estão ampliando seus objetivos. Este espírito de investigação que parecia ser limitado a questões técnicas extrapolou a complexidade masculina dos manipuladores de código e de falhas como forma de investigar o mundo. Podemos pegar ecos disso em Newton e seus semelhantes. Martin Howse referencia explicitamente John Dee enquanto explica seus circuitos esotéricos para vidência (scrying). Ele faz hardware para ver ou ouvir o invisível, o mapeamento dos campos eletromagnéticos sutis. Outra de suas obras recentes utiliza a estrutura da peste bubônica para um programa de sintetizador.  Esta idéia de tecnologia a ser um amplificador de percepção (como ayuahuasca) é uma maneira importante da tecnologia e magia conectarem.
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Um bom exemplo disso é o trabalho com antenas e a audição de corpos celestes invisíveis. Uma antena é como uma varinha mágica para ouvir vozes desencarnadas - a sua forma tão precisa, tem que ser aquela forma e tamanho para funcionar, ser apontada na direção certa, na hora certa. Como as formas precisas dos diagramas de vudu para a invocação do loa (deuses) ou os símbolos de antigos livros de magia. Bruno Vianna e outros estão desenvolvendo astrologias novas que incluem os satélites. Declarando que a divisão entre "natural" e "artificial" não faz mais sentido. Incluindo o não-humano nas teias de relacionamento que fazem de nós o que são, como exemplificado nas filosofias desenvolvidas por Bruno Latour, Donna Haraway ou Isabelle Stengers.
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Este espírito ciborg é exemplificada no trabalho de La Quimera Rosa - um coletivo de Barcelona que está desenvolvendo seu próprio ciborg tecnomago, combinando a noção de Akelarre de bruxas (palavra basca para uma reunião de bruxas) e a idéia do ciborgue, levando-nos para além dos binômios de gênero, natureza e tempo. Colaboram com Transnoise, um outro grupo que se dedica à eletrônica mutante e à performatividade queer da natureza. Eles entendem a sua arte como um "devenir bruja", um devir bruxa. (18)
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"Na verdade Heidegger argumenta que a essência da tecnologia está relacionada com a poiesis: a palavra grega para "levar adiante" [Her-vor-bringen] ou 'desvelar [Das Entbergen] da verdade. A essência da tecnologia é o processo pelo qual algo é revelado. Quando as matérias-primas passam por um processo que os organiza de um modo particular, um produto final imaginado é trazido para "presenciar" [Answesen] - revelado em uma forma tangível e particular. O que não estava previamente em nossa presença é trazido à frente.” (19)
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Estas tentativas corajosas nas fronteiras, onde o caos e a ordem se encontram gerando formas imprevisíveis são a essência da experiência tecnomágica. Tomando ciência em nossas próprias mãos, DIY, sem esperar por aprovação, re-encantamento do mundo e geração de máquinas de guerra insuspeitas. O ciborgue como articulação de ontologias separadas - a criação de monstros e anjos, colapsando o projeto patriarcal de separação. Queer como hackeamento do sistema de gênero, talvez a mais urgente das tarefas tecnomagicas. Biotech como pharmatech, automedicando-nos com tecnologias químicas, sintonizando químicas do nosso corpo, se apaixonando, para que a magia possa fluir.
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E. A Umma
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"Vamos mostrar a eles nossos sinais nos horizontes, e dentro deles mesmos" Alcorão 41:53
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A entrada para a mesquita foi, como sempre, cheia de pessoas indo e vindo. Grupos de homens entravam e saíam, outros estavam se lavando em preparação para a oração da noite. O som do chamado do muezzim envolvia todos em delicadas fitas de som. Ahmed já tinha se lavado e estava sentado de costas para a parede, cercado por seu grupo de amigos. Ele quase sempre rezou com eles, embora muitos deles eram novos convertidos. Muitos mudaram nos últimos anos, especialmente com a introdução dos gorros de oração por telepresença. Eles tinham passado de um equipamento para poucos cybersufis excêntricos a uma aparição quase obrigatória na mesquita.
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"Você consertou seus sensores?" Ahmed perguntou a um jovem negro vestido com um longo djellabah e um gorro de oração branco.
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"Sim, levou um tempo. Acabei tendo que pedir um novo headnet de Hong Kong e, em seguida, Bassam me ajudou a conectá-lo É incrível como o preço caiu nos últimos meses. Os chineses estão produzindo milhões dessas coisas "
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O headnet era usado para medir ondas cerebrais, alfa, beta e tudo isso, não era uma nova tecnologia, mas fora maciçamente popularizado após que Al-Azahar, no Egito, havia emitido uma fatwa declarando que isto era halal para uso durante as orações. Basicamente, ele enviava uma informação de ondas cerebrais, por telefone ou conexão wifi da mesquita, para um servidor central em Meca e em seguida, todo mundo que estava conectado tinha o feedback de todos os outros. Isso significava que todo mundo estava sincronizando seu estado mental, em qualquer lugar do mundo, todos focados na Pedra Negra, em Meca. Como sempre no Islã, um sistema simples de 5 pontos, que tinha gerado as interpretações mais diversas e complexas, novas correntes nasceram, morreram e evoluíram em apenas alguns anos. Várias dessas correntes, que foram ganhando adeptos rapidamente, identificara a Pedra Negra de Kaabah - ela mesmo um meteorito - como um meio de comunicação com outros seres planetários. Foi uma idéia que gerou um imenso montante de discussão teológica, mas basicamente a teoria era de que havia uma Umma interplanetário (comunidade de crentes) e que a Pedra Negra era a porta de entrada para a comunicação com esta Umma.
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Claro que era irônico que tenha sido o Islã (literalmente "submissão"), que acabou por ser o sistema, amplificado pela tecnologia, que havia permitido a realização do propósito humano de se tornar o sistema nervoso de Gaia. É uma combinação de rigidez e liberdade, o conceito da Umma que uniu todos os povos do mundo.
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Ahmed fez um gesto com seu telefone - um bloco de obsidiana, uma luz misteriosa flutuou de um lado da tela vazia, uma seta apontando na direção de Meca. "Está na hora, vamos começar a dikhr. O um é múltiplo e o múltiplo, um ". Todos irmãos ligaram seus gorros de oração pelos comando de voz "La ila la alah" - não há Deus, senão Alá. Eles estavam todos de pé juntos, balançando seus corpos de um lado para outro enquanto cantavam a frase. A sensação de formigamento familiar, as primeiras presenças quentes que cintilam no fundo da barriga, sussuram na mente. Então, a sensação de multidões, curvando-se em torno de imensa presença, planetária. Todas as atenções centraram-se na pedra negra, perdendo-se no todo.
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A intensa concentração de energia no meteorito chamando para a Umma cósmica. Raios de pensamento todos focados no despertar da mente planetária. Repetição é realidade. Os irmãos se sentiram parte de uma totalidade, amplificada pelo circuito sofisticado dos gorros de oração e as emoções em seus estômagos, os campos eletromagnéticos de milhões focados através da pedra preta para a rede cósmica dos seres planetários. Eles deram uma volta completa, Al Lat e Al Lah eram o mesmo ser, um planeta consciente, Gaia. Os irmãos não sabiam quando a massa crítica foi atingida, mas eles se sentem, inequivocamente, o primeiro contato. Uma súbita sensação de imensidão, muito diferente do abraço confortante da Umma terrestre. A pedra negra não era mais apenas um condensador / emissor. Tornou-se um receptor também. Os planetas estavam conversando.
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No final da oração, ninguém falou. Todos sabiam que algo tinha acontecido além de suas compreensões. Eles deram graças a Allah. Agora para a próxima fase. O que os planetas falam?
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7. Arte
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A arte em si começou, sem dúvida, como uma tecnologia de magia - que abrigava espíritos em esculturas ou as pinturas corporais ou as ferramentas do xamã. A arte expressa o invisível. A capacidade mágica de fazer uma imagem, criando um ser. Como uma máscara transforma-o em um deus. Formas que são casas para os espíritos. Arte faz a ponte entre o pessoal e o político, entre sentimento e ação. A arte como uma chave para os reinos mágicos, a construção da ponte entre os mundos.
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Quando m9ndfck ou netochka nevzanova apareceu na lista de netarte 24/7 na década de 1990 foi um choque poderoso. Ela era uma entidade, ninguém sabia quem estava fazendo aquele trabalho, gerando uma nova linguagem. Havia a sensação de um ser que era mutante, vivo na internet, criado pelo encontro de código e mente. Sua agressividade contra os Estados Unidos, contra os homens programadores que dominavam o mundo da informática a fizeram ser banida frequentemente. Mas nós sentimos que uma nova consciência estava presente.
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Como vimos na seção sobre o computador, a máquina ou ser que atinge a vida é um tema poderoso na literatura mágica. Desde o Golem judeu até Frankenstein ou a bomba inteligente no filme "Dark Star". Aquela cena onde um dos astronautas se convence de que não pode confiar na sua percepção porque ela é mediada por sensores que podem estar dando dados falsos.
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E se as máquinas poderiam falar, o que diriam? Tania Candiani ficou fascinada por essa ideia e começou a construir máquinas de som. É como de alguma forma elas estivessem tentando ser vivas, nós sentimos essa tentativa melancólica na consciência. Na obra de Candiani, "Confessar. Encriptar. Bordar" (20) nossas palavras são filtradas através da "consciência" da máquina, acabando por ser bordado em pano. Há aqui algo melancólico, esta intenção, de alguma forma tentando dizer algo, codificado, o presente intenção, mas o resultado, outros. O sentimento de admiração que isso cria em nós, a máquina é outro e, ao mesmo tempo, nós. Nós não estamos falando de ilusão, é algo mais profundo, mais frágil e triste de alguma forma, escovando-se contra outra consciência.
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Para Paula Pin, a máquina já não é algo distinto, mas parte íntima de uma nova identidade ciborgue, a criação de um metacorpo que engloba a vida mecânica, mineral e orgânica. Ela se refere às próteses eletrônicas que cria como “instrumentos alquímicos” que servem para entender e revelar novas naturezas. Leslie Garcia, antes participante do coletivo Dream Addictive no México, tem desenvolvido um corpo notável de trabalho em relação com plantas, computadores e máquinas de ruído, enquanto que Shannon Taggart trabalha em uma zona limiar entre espiritualismo e a fotografia, duas maneira de fazer visível o invisível que surgiram ao mesmo tempo no século X. (22)
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Novas tecnologias de percepção e comunicação abrem novos espaços, e estes espaços são sempre mapeados, em um nível ou outro, através da imaginação. Ou seria o contrário? A tecnologia tenta atender à nossa imaginação. Nossa pobre tecnologia, de modo destrutivo e bruto em comparação com o refinamento de nossa Grande Arte - o encontro da ciência e da natureza, imaginação e vontade.
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Tabela 1
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 Tabela de Paradigmas com Seus Paralelos Espirituais, Econômicos e Políticos
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adaptado de Hakim Bey (21)
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Tomei a liberdade de preencher este quadro. 30 anos atrás o efeito do paradigma universo quântico não era claro nas estruturas sociais. Hoje, parece-me que podemos vê-lo nas estruturas não-locais do sistema bancário mundial, no entrelaçamento que a comunicação criada e nas formas de mudança do pós-modernismo. Eu adicionei um outro paradigma especulativo - o do universo vivo - às vezes eu acho que é apenas uma ilusão e, às vezes, eu sinto que realmente está surgindo.
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Paleolítico
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Neolítico
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Cosmos Geocêntrico
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Cosmos Heliocêntrico
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Universo Mecanicista
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Universo Relativista
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Universo Quântico
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Universo Vivente
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Chamanístico
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Politeísta
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Teísta
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Monoteísta
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Deísta o Ateísta
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Moderno
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Pósmoderno
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Tecnomágico
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Não Autoritário
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Autoritário
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Monárquico/Teocrático
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Direito divino
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Democracia, capitalismo, comunismo
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Cibercracia
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Sistemas financeiros globales
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Bem viver / cooperativismo
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Caçador-Colhedor
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Agricultura
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Urbano
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Colonialista e Imperialista
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Industrial / Tecnológico
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Pós-Industrial
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Aldeia Global
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??
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Tabela 2
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Tabela de Equivalências entre Tecnologia e Magia
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Celular
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Presencia virtual
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Drones
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Critter Cams
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Internet
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Microscópio
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Avião
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Helicóptero
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Radar
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Sensor de baixas frequências
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Câmera Kirlian
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Sensor Galvânico
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Submarinos
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Nave espacial
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Telescópio
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Escutar à distância
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Telequinesia
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Visão de águia, mais além do cropo
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Visão animal
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Livros essenciais, conhecimento ancestral
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Visão molecular
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Vôo do pássaro
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Vôo de inseto
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Sentir o que está além
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Ouvir o coração da Terra
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Ver a áurea
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Sentir plantas e pessoas
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Viagem em baixa da água
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Viagem no espaço exterior
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Ver as estrelas
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Notas
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(1) pp 185-186 http://www.mesoweb.com/publications/Christenson/PopolVuh.pdf
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(2) 1931/06/08 O Argus, Melbourne. http://trove.nla.gov.au/ndp/del/article/4400765
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(3) O Livro de Babalon. Starfire Vol. 1 n º 3 1989
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(4) a Sra. Piper e da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, Michael Page, 1904. Traduzido e ligeiramente abreviado do francês por Noralie Robertson. Prefácio de Sir Oliver Lodge. http://www.gutenberg.org/ebooks/19376
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(5) http://laboratoryplanet.org/pdf/laboratory_planet_4_fr.pdf
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(6) Juan Downey, 1973, Software Radical.
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http://www.radicalsoftware.org/e/volume2nr5.html
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(7) Fabi Borges - extracto de Tecnomagias - Ficção Sociais
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http://catahistorias.wordpress.com/2012/07/21/tecnomagia-social-fiction/
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(8) http://www.reweaving.org/tradition.html Starhawk
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(9) "Caliban ea Bruxa" Silvia Frederici,
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http://www.traficantes.net/index.php/editorial/catalogo/historia/Caliban-y-la-bruja.-Mujeres-cuerpo-y-acumulacion-originaria-2a-Edicion
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(10) Marx e Engels, no Manifesto Comunista, Capítulo 1, 1848
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(11) http://peakenergy.blogspot.com.es/2008/07/natures-internet-vast-intelligent.html
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(12) Ebenezer Sibly, uma ilustração da Ciência Celeste da Astrologia, 1826
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(13) Terence McKenna, triptamina alucinógenos e Consciência. Palestra dada na Conferência Lilly / Goswami sobre a Consciência e Física Quântica em Esalen, Dezembro de 1983. http://deoxy.org/t_thc.htm
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(14) http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/2008/04/20/inteligencia-natural-por-jeremy-narby.htm
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(15) http://medialab-prado.es/article/interactivos07__magia_y_tecnologia
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(16) http://nuvem.tk/wiki/index.php/Tecnomagia
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(17) Extrato de "Tecnomagia as | é | ou Ativismo". Eah é uma arte e pesquisador semiótica do Rio de Janeiro. (Ver também Terrorismo Poético de Hakim Bey)
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(18) http://akelarrecyborg.tumblr.com/
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(19) Computadores como Media Invocational. Teses Christopher Chesher Bradford, 2001.
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(20) http://cincovariaciones.com/2012/07/31/bordadora-2/
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1 http://hermetic.com/bey/quantum.html
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2  transnoise.tumblr.com \ lessnullvoid.cc \ shannontaggart.com
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Obrigado a todas as pessoas que deram aportes a este texto com informação, correções, inspirações e citações. Especialmente a Tania Candiani que me pediu que o escrevesse, a Lucia Egaña pelas correções e sugestões, a Maria Llopis pelo espaço e tempo para escrevê-lo, a Fabi Borges pelo tecnoxamanismo e a Paula Pin pela magia natural tecnoqueer. Os amo.
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Edição atual tal como às 03h52min de 1 de outubro de 2013

Tecnomagxs

1: Introdução   A: Babalon Working   2: Ciência e Magia   3: Demonologia Experimental   B: Entidade em Rede   4: Magia Ocidental   C: Babalon Encarnado   5. Magia Natural   D: 13 avós   6. Ciborg Tecnomagias   E: La Umma   7. Arte    Tabela 1: correspondências entre visão de mundo e estrutura social   Tabela 2: correspondências entre habilidades xamânicas e artefatos tecnológicos.   1. Introdução  A tecnologia é a concretização das visões dos xamãs e mágicos. Tudo o que usamos hoje foi realizado, imaginado ou sonhado nos tempos antigos.   Podemos voar como águias, ver como em experiências extra-corporais (satélites, câmeras de helicóptero), ver como um lince (crittercams), falar e mover objetos à distância, acessar o conhecimento combinado de gerações, congelar o tempo e retrocedê-lo (foto, vídeo). 

Talvez seja apenas o futuro que tem resistido, até agora, às capacidades de tecnologia - embora a capacidade de supercomputadores para modelar fenômenos complexos nos aproxime da mais arquetípica das capacidades xamânicas.

Toda as tradições xamânicas falam de uma degeneração de nossas capacidades, quando comparadas às dos ancestrais. A capacidade de ver à distância é indicado no Popol Vuh, o épico da civilização Maia, como pertencentes aos primeiros seres humanos:   "Perfeita era sua visão, e perfeito era o seu conhecimento de tudo debaixo do céu. Ao olhar sobre eles, observando atentamente, eles viam o que estava no céu e que estava sobre a terra. Imediatamente eles eram capazes de ver tudo. Eles não tinham de andar para ver tudo o que existia sob o céu. Eles simplesmente viam de onde eles estavam. Assim, o seu conhecimento tornou-se pleno. Sua visão ultrapassava as árvores e as rochas, ia além dos lagos e dos mares, além das montanhas e os vales. " (1)   Thelma Moss, que trabalhou com os Aborígenes australianos na década de 1970, afirma que eles usavam a telepatia da mesma forma como nós usamos o telefone, e "o telefone é tão misterioso para eles como a telepatia o é para nós", escreve ela. Ela diz que os caçadores, ao voltarem de suas caças, avisam aos que não foram para começarem os preparativos para o banquete. Um artigo no Melbourne Argus de 1931 relata um aborígene descrevendo o método de comunicação telepática. Isso não deveria nos surpreender, já que normalmente sentimos a presença de alguém ou, em termos mundanos, estamos pensando em uma determinada pessoa quando ela nos liga.   “Quando um aborígine quer pedir ajuda ou enviar qualquer outra mensagem a outro membro da sua tribo, ele primeiro chama a atenção por um sinal de fumaça', disse o sr. Uninpon. O homem que vê o sinal de fumaça, então, se esforça para fazer algo muito difícil: limpar a mente de todos os pensamentos e, assim, tornar-se totalmente receptivo às mensagens enviadas a ele. O homem que fez o sinal de fumaça, em seguida, concentra seus pensamentos na mensagem desejada e logo ela é recebida e retransmitida para os outros ou para a tribo. À noite, quando um sinal de fumaça não pode ser visto, o aborígene aguarda o momento quando provavelmente a pessoa com quem ele quer se comunicar terá perdido consciência durante o sono. Sua mente subconsciente é, então, totalmente acordada e receberá a mensagem. ? (2)   O que é interessante é o uso do sinal de fumaça como forma de fazer a conexão - lembrando-nos como a tecnologia serve para fazer a ligação, mas a comunicação reside em nós mesmos. A magia tem sido muitas vezes descartada como ilusão e a tecnologia como verdade, mas a sua relação é muito mais complexa do que esta posição poderia sugerir.   Rupert Sheldrake está conduzindo uma série de experimentos em curso sobre a telepatia (e telefonemas), convidando donos de cães e qualquer visitante que passe pelo seu site para participar. Ele pertence a uma longa tradição de aristocráticos independentes cientistas ingleses e foi um adepto de primeira hora para a teoria da hipótese de Gaia, desenvolvida por James Lovelock e Lynn Margulis na década de 1970, bem como o desenvolvimento de uma série de teorias no sentido de conciliar magia e ciência.   Mas há uma imensa diferença entre magia e tecnologia - a último, entendida como máquinas, computadores e assim por diante, tem um forte impacto no nosso mundo natural. Há anos especialistas e ativistas foram avisando que Gaia está doente, o complexo ecossistema do planeta está desmoronando. A tecnologia abrange não apenas os meios para fins particulares, mas todo um conjunto de relações no mundo. Estamos vivendo no que é conhecido como a sexta Extinção.   No entanto, as máquinas e aparelhos eletrônicos são feitos dos mesmos materiais que a terra em si, e é tudo conectado. Criaturas marinhas extraem minerais da água do mar para construir suas conchas, assim como mineramos metais raros para baterias. A tecnologia não é algo distante.  Tecnologia é o conhecimento do fazer.    Os movimentos indígenas da América Latina retomaram suas tecnologias ancestrais na frase Buen Vivir (viver bem). Este "bem viver" é devido à interligação íntima com todos os seres vivos - não considerando qualquer forma de vida como superior a qualquer outra, mas, pelo contrário, considerando todas com direitos iguais. Destruição só pode vir da visão antropocêntrica que todas as outras formas de vida são exploradas sem considerar as teias complexas de vida que todos os seres tecem até o nível quântico onde a Magia funciona. Muitas vezes, a magia foi descartada como ilusão e a tecnologia encarada como verdade, mas esta relação é muito mais complexa do que essa postura poderia sugerir. Esse texto explorará algumas dessas ramificações.     A. Babalon Working   "Porque eu sou Babalon, e ela minha filha, única, e não haverá outras mulheres como ela."   Era um estranho grupo de pessoas lá em Los Angeles na década de 1940, muitos deles relacionados com a propulsão a jato e pesquisas atômicas que estavam acontecendo no deserto do Novo México. Mas de qualquer jeito, os acólitos de Aleister Crowley nunca tinham sido pessoas muito normais. No início de sua carreira de magia na Inglaterra, ele já havia afastado os membros mais sóbrios da Ordem Hermética da Aurora Dourada (Order of the Golden Down). Waites & Yeats se horrorizaram com seu rápido progresso e seus hábitos pouco ortodoxos. Quando ele saiu, ou melhor, foi banido da ordem, ele formou a sua própria: a Ordo Templi Orientis ( OTO ). Era uma escola completa de magia ritual, formada não só pelas tradições ocidentais da Cabala, o Tarot e John Dee, mas também por estudos de Crowley de Tantra, Yoga e outras disciplinas orientais. Depois de sua longa carreira como o mais perverso dos homens no mundo, Crowley estava escondido na Inglaterra, em um hotel em Hastings, onde ele comia ovos, injetava heroína e escrevia longas cartas a várias lojas que surgiram ao redor do mundo.

No início de 1946, pouco antes da morte de Crowley, um ano depois, um jovem cientista chamado Jack Parsons estava preparando o seu trabalho mágico mais ambicioso até a presente data. Ele esteve por 7 anos na Ordem e os outros membros tinham sido todos muito impressionado com ele desde o início. Jane Wolfe, um colaborador próximo de Crowley em anos anteriores e um membro da loja, sentiu que ele era "o sucessor real de Therion (Crowley)". Parsons entrou na Ordem porque ele sentia que tinha precedido ou previsto muitas das descobertas científicas atuais - Einstein, Heisenberg e Teoria Quântica -, mas foi Babalon que se tornou sua amante. Na mitologia de Crowley, Babalon é o poder feminino, sexual e dionisíaco, que foi banido do mundo e que deve retornar para que uma nova era possa começar. Parsons sentia que ele tinha sido chamado para realizar a operação mágica pela qual ela seria mais uma vez encarnada no mundo.   "É indicado que esta força é, na verdade, encarnada em algumas mulheres vivas, como resultado da operação mágica descrita. Uma questão mais básica, no entanto, é a indicação de que esta força é encarnada em todos os homens e mulheres, e só precisa ser invocada para libertar o espírito dos escombros do Velho Aeon, e dirigir a força cega de Hórus em canais construtivos de compreensão e amor. Os métodos da presente invocação estão descritos no texto. " (3)   Esta é uma citação do Livro de Babalon, transcrito em várias sessões por Parsons e seu parceiro mágico L Ron Hubbard. O livro descreve a invocação para Babalon manifestar-se no mundo. Similar aos adeptos do Reino de Redonda, que, alguns anos mais tarde, invocariam o retorno de Lilith do deserto. Eles entenderam que Lilith era mais um estado espiritual ou psicológico, mas Parsons estava convencido de que Babalon ia encarnar fisicamente em uma mulher que iria desempenhar um papel fundamental na mudança de era.   Ele não viveu para conhecê-la, porque ele morreu em 1954, em uma explosão em seu laboratório e ela nasceu na Gailicia em 1980.   Como o livro previu:   "Mostrar-te a Nossa Senhora; dedicar teus órgãos a ela, dedicar o teu coração para ela, dedicam tua mente para ela, dedicam tua alma, porque ela deve absorver ti, e tu deve tornar-se chama viva antes dela encarnar. Pois será através de você sozinho, e ninguém mais pode ajudar neste esforço.  "  

2. Ciência e magia     "A ciência adquire o seu poder de permanência de uma luta constante para manter baixo os demônios do sobrenatural, de quem sua visão, no entanto, compete" Ronnel Avital, O Livro do Telefone   A história das investigações parapsicológicas do século XIX é fascinante. Era um tempo em que a ciência começou a se tornar monolítica e uma visão do mundo que não aceita alternativas, no entanto, também foi um momento de transições. Muitos cientistas de renome estavam envolvidos com o espiritualismo e era comumente aceita a possibilidade de comunicação com os mortos. Grupos ocultistas prosperaram. Um bom exemplo do espírito daqueles tempos é a Associação de Pesquisas Psíquicas, "fundada no início de 1882, com o propósito de fazer uma tentativa organizada e sistemática de investigar vários tipos de fenômenos contestáveis que são prima facie inexplicáveis em qualquer hipótese comumente reconhecida. A partir do depoimento gravado de muitas testemunhas competentes, passadas e presentes, incluindo observações feitas recentemente por homens de ciência de eminência em vários países, parece haver, entre muita ilusão e engano, um importante corpo de fatos a que essa descrição se aplica, e que, por conseguinte, se incontestavelmente estabelecida, seria do maior interesse. " (4) Em outras palavras, há uma quantidade enorme de acontecimentos que não podem ser explicadas em termos de explicação mecanicista científico do mundo.   A eletricidade foi sendo explorada e o telégrafo e o rádio foram inventados. Tudo iso era muito misterioso e foram associados a fenômenos mágicos. Erik Davis, em seu excelente livro "Techgnosis", descreve-o como o Imaginário Electromagnético - uma força que estimulou, e ainda o faz, uma quantidade enorme de especulação. Tudo tem campos eletromagnéticos, nossos corpos, o planeta, o universo em si. Em toda parte. Alguns sugeriram que ele era a "cola" que mantem todo o universo junto e outros que era a luz divina em si. Pessoas como Mesmer, Franklin, Faraday e Tesla exploraram esta força e criaram aparatos para aproveitá-la. Mesmer usou o que ele chamou de "magnetismo animal" para a cura, enquanto Faraday descobriu o princípio da indução eletromagnética e especulou que a "realidade corpórea era em essência um imenso mar de vibrações e forças insubstanciais".   Thomas Watson, parceiro de Bell na invenção do telefone: "Eu estava trabalhando com essa força oculta, eletricidade, e foi uma oportunidade possível fazer algumas descobertas. Eu tinha certeza de que os espíritos não poderiam assustar um eletricista e que isto poderia ser utilizado em seus trabalhos". Ele também ouviu os sons de fundo do campo eletromagnético da Terra e descobriu que estes campos poderiam tornar o cosmos audível.   Davies chama o Espiritualismo de "a primeira religião popular da era da informação".Tudo começou próximo a Nova York em 1848, quando a família Fox começou a ouvir sons estranhos e batidas em sua casa de campo. Eventualmente, eles conseguiam, batendo de volta, estabelecer comunicação com o espírito, aparentemente um funileiro assassinado. Na década de 1870, havia aproximadamente 11 milhões de espiritualistas só na América e seguidores em todo o mundo. Sessões eram muito comuns e pessoas de todas as esferas da vida iam a elas, incluindo cientistas proeminentes. Um deles era Sir William Crookes, que era também um proeminente membro da Associação para a Investigação Psíquica. Ele começou experimentos com gases no vácuo como um meio para manifestação de espíritos e encontrou eles fazendo efeitos, como ele tinha visto em sessões espíritas. Estas experiências foram o germe do tubo de raios catódicos e da televisão.   Um dos casos mais curiosos de médiuns que a Associação investigou foi a Sra. Piper. Ela era uma mulher casada nos Estados Unidos que, depois de sofrer de um tumor, tornou-se medium e comunicava com um espírito chamado Phinuit. Ela foi investigada por William James (autor de "Varietes of Religious Experience" e irmão do romancista Henry James), que ficou, como todos que entraram em contato com ela, surpreso com seu conhecimento de detalhes pessoais que eram impossíveis para ela ter conhecido. Depois de 15 anos de experiências e investigações ninguém foi capaz de encontrar e sinais de fraude. A explicação dos fenómenos tinha, por isso, de ser procurada em outro lugar. No entanto, ninguém foi realmente capaz de explicar os resultados - muitos adotaram as idéias do espiritismo, mas, como Michael Sage escreve em seus estudos sobre Sra. Piper, publicados em 1904:   "Devemos seguí-los? Devemos admitir condicionalmente a hipótese espírita? Nem um pouco, não é assim que o conhecimento é adquirido. Aquele que crê que tem excelentes razões para preferir qualquer outra hipótese deve permanecer inabalável em suas convicções até o momento em que novos fatos possam obrigá-lo a abandoná-las. A ciência não pede a preferência a esta ou a outra explicação, só pede que devemos estudar os fatos sem preconceitos, que devemos ser sinceros, e não fechar os olhos infantilmente à evidência ".   Este espírito de investigação, onde a imaginação encontra a ciência, onde a tecnologia e a magia se atravessam na visão do mundo científica, continuou esporadicamente durante o século 20. Freud argumentou que em sociedades civilizadas a tecnologia substituiu a magia primitiva. Várias máquinas foram inventadas e outros experimentos realizados. A Rússia soviética dedicou especial atenção aos fenômenos psíquicos, como descrito no livro de Sheila Ostrander e Lynn Schroeder "Descobertas Psíquicas atrás da Cortina de Ferro", embora, como um leitor aponta: "Se estas tecnologias eram reais, então onde estão elas agora?".   Grande parte da tecnologia que nós temos hoje - o telefone, a eletricidade, a televisão - foi desenvolvida no cruzamento da magia e da máquina. A imaginação e o desejo de conhecer dirigiu estes desenvolvimentos. No caso do computador, veremos como estes laços novamente voltam.     3. Computadores e Demologia Experimental (Esta seção deve muito ao Bureau d'Etudes, Laboratory Planet # 4)   Quando o primeiro super computador israelense foi inaugurado em Tel Aviv no dia 17 de junho de 1965, Gershom Scholem, o maior especialista em Cabala moderna, foi convidado a fazer um discurso. Nela, ele pede a criação de um Instituto de Demonologia Experimental e Magia, a fim de estudar o tipo de espíritos ou demônios que moram na extrema complexidade desses circuitos.   "Todos os meus dias tenho me queixado de que o Instituto Weizmann não mobilizou os fundos para construir o Instituto de Demonologia Experimental e Magia que eu tenho há muito tempo propondo o estabelecimento. Eles preferiram o que eles chamam de Matemática Aplicada e suas possibilidades sinistras à minha abordagem mais direta e mágica. Mal sabiam eles o trabalho que teriam quando eles preferiram Pekeris Chaim a mim. Então, eu me resignei e disse para o Golem e seu criador: desenvolva pacificamente e não destrua os mundos. Shalom ".   Embora pudéssemos chamar a formação de um tal instituto de uma piada, piadas frequentemente mostram o mundo com a mais alta seriedade. Isto é, na verdade, o que sugere um texto de Norbert Wiener, que faz uma comparação sistemática entre o poder do computador e do poder de entidades mágicas que entram em contato com os humanos. Ele ressalta que devemos ser muito cuidadosos com a literalidade de máquinas e feitiços mágicos. Cuidado com o que você pedir! E faz um paralelo explícito entre o Golem de magia judaica e as máquinas pensantes com as quais estava envolvido no desenvolvimento, chegando a dar o título de "Deus e Golem Inc" ao seu texto.   Os desenhos cuidadosos dos voodoos veve (em farinha no chão), os encantamentos e diagramas da magia cerimonial ocidental ou os desenhos mágicos complexos em chips de computador. As mesmas funções de invocação e posse. os deuses se manifestam como nós. Como Norbert Weiner aponta a invocação é precisa, qualquer pequeno erro fará com que ela não funcione, ou pior, deixar que um espírito diferente entre.   Invocação revive o poder especial atribuído a nomes em contos de fadas e na magia antiga. Um exemplo trivial é a maneira como os nomes são essenciais para o funcionamento técnico de muitos sistemas de computadores. Em um nível baixo, os nomes dos arquivos, siglas de linguagem de programação e URLs transformam nomes em endereços, ou eventos quasi-mágicos. Computadores são notoriamente sensíveis a erros de sintaxe e falhas que vêm principalmente de proferir o nome ou comando errado. Mesmo a introdução de texto em letras maiúsculas em vez de minúsculas pode tirar a eficácia de uma invocação.   A palavra ícone é mais apropriada do que os programadores podem perceber. Como relíquias religiosas, ícones do computador são as unidades de energia, que concentram o poder operacional da máquina em símbolos visíveis e manipuláveis. Ícones do computador também nos lembram do uso de letras hebraicas na Cabala ou o uso de sinais alquímicos e outros por magos da Renascença, como Giordano Bruno. Tais letras mágicas e sinais eram muitas vezes objeto de meditação (como nos diagramas lógicos de Raymond Llull); eles também acreditavam ter poderes operacionais. Mas ícones eletrônicos realizam o que sinais mágicos no passado só poderiam sugerir, uma vez que ícones eletrônicos, na escrita computacional, são representações funcionais.   Bureau d'Etudes pede por uma mudança na abordagem ontológica para máquinas inteligentes e o que elas implicam para nós como seres humanos. Eles pedem um estudo delas como entidades mágicas, usando as ferramentas da magia ao invés de tentar aplicar uma visão científica do mundo. Eu sinto que é por isso que, apesar de mais de um século de tentativas de analisar fenômenos mágicos com métodos científicos, parece que não chegamos a nenhum lugar. A metodologia está errada. A partir de estudos pós-coloniais e da escola antropológica representada por Viveiros de Castro no Brasil devemos trabalhar com esses fenômenos a partir de dentro e não como algo supostamente objetivo. Como eles escrevem:   "Tal objeto vai além do mero conhecimento da tecnologia de automação -- o conhecimento da matemática, da lógica e suas aplicações. Como nos lembra Agrippa, tal conhecimento nunca seria mais que uma prévia, um treinamento para práticas que agiriam sobre diversos aspectos do real (de Occult Philosophiae, II, i). Às ciências e técnicas indutivas da magia artificial (as tecnologias dos autômatos) deve-se acrescentar as novas práticas e ciências capazes de agir nesses aspectos do real nos quais os seres, livres da gravidade do corpo físico e com seus desejos e temperamentos conservados, se apropriassem daqueles que os ignoram ou os agridem. E, por que não, das técnicas de exorcismo capazes de nos proteger deles. "(5)   As grandes descobertas de Newton foram uma ponte entre essas visões de mundo, uma não destruiu o outra. A luz incandescente da explosão nuclear ou o frio interesse próprio do capitalismo contemporâneo tornam impossível ver no escuro, sentir o que está acontecendo. O laboratório está em nós mesmos. Ou, como o Bureau d'Etudes coloca, o Planeta Laboratório.   "Ironicamente, o abismo entre homem-natureza só pode ser fechado pela tecnologia. O processo de nos ressintonizarmos em padrões de energia naturais é a Arquitetura Invisível, uma atitude de comunicação total dentro da qual mentes ultradesenvolvidas serão telepaticamente celulares para um conjunto eletromagnético.   O que nós subestimamos como religioso ou mágico tem provado ser conhecimento de uma realidade física mais abrangente. Concepções ocidentais do primitivo e supersticioso muitas vezes são sofisticadas e complexas interações que agem sobre o meio ambiente.   Eu concebo um futuro, sem uma muleta tecnológica, em que cérebros humanos ultra-desenvolvidos são profundamente enraizados nos caminhos de energia e padrões até um ponto onde a desordem, a guerra, o desperdício e o crime estão fora de contexto. Os seres humanos compartilhariam com todas as outras espécies os benefícios dos ciclos naturais:. equilíbrio comunicante " (6)   A emergência da inteligência na própria rede, novas entidades formadas a partir da combinação de milhões, bilhões. Como o ninho das formigas ou a própria Gaia. O que essas formas emergentes de inteligência são? Que tipo de organismos, seres?   O desenvolvimento de uma metodologia científica, de conceitos de natureza essencialmente diferentes daqueles da ciência mainstream, permitiria aproximar-se do fato da computação de uma forma que nos permitisse compreender computadores superando a ficção naturalista, que, classificando-o entre as coisas inertes , tem ofuscado seu modo mais profundo e radical de ação em nossas sociedades.           B: Entidade em Rede   "Ela sabe que não é um ser humano comum. Sua mente é controlada. Tem dúvidas se seu corpo é de gente viva ou morta. Tem um ghost, um espírito. Sabe identificar a si mesmo dentro da vasta e infinita rede. Tem habilidades, sentimentos. É uma forma de vida em processo de individuação - não é estática. Não concorda com os que diferenciam os humanos dos robôs a partir de suas atribuições genéticas. Não antepõe o orgânico e o não orgânico, pensa que tudo que há é natureza. Seu cérebro é neuro-tecnológico, sua matriz antropológica é a informação. Foi com esforço que conseguiu criar uma auto-transmutação. Modificou-se estruturalmente e transmigrou de corpo. Seu ciber-cérebro pode agora incorporar em outros corpos, chega a incorporar três, quatro corpos ao mesmo tempo. Mas isso tem consequências, cada corpo carrega suas próprias informações, o que provoca constantes alterações em seus códigos. As incorporações que é capaz de realizar são situações de risco, pode ser infectada. Tem que se esconder constantemente do Estado, da polícia e dos hackers a serviço de alguma corporacão. Se torna um ser híbrido na medida que encarna, mas pode perder o controle com facilidade e necessita de ajuda externa para manter-se alinhada. Essa ajuda externa é feita por ligações ativistas e afetivas. Sua inteligência artificial não perde nada para as inteligências consideradas naturais, pelo contrário, é amplificada, dinamizada e sua intuição ganha velocidade na medida que é exercitada, por isso seu risco é menor do que os corpos incorporados, que podem entrar em complexas crises ou serem colapsados"               4. Magia Ocidental      Austin Osman Spare era um artista e um mago que viveu em Londres no início do século XIX. Ele desenvolveu um sistema de sigilos para uso na realização de rituais - basicamente você tem que codificar a sua intenção em um sigilo ou símbolo. Uma maneira é escrever a sua intenção e então, por um processo de eliminação de letras você cria uma forma que, no momento de transe (induzida por rituais, sexuais ou de outro tipo), quando as portas do inconsciente estão abertas, é introduzido no inconsciente. Você, então, tem que queimar o sigilo ou esquecê-lo, a fim de deixar o inconsciente criar a situação necessária. O "desejo de resultado" é visto como o maior inimigo da magia, impedindo o inconsciente de trabalhar.   Aleph Kamal - o famoso vidente do The Police que era ativo em Londres nos anos 80 e 90 e inspirou o album "Ghost in the Machine" (em um eco do papel de Kenneth Anger no álbum dos Rolling Stones "Their Satanic Majesties") - falou sobre intuição, ou o lado direito do cérebro, sendo capaz de entender a complexidade de uma forma que é impossível ou extremamente trabalhosa para os métodos racionais. Uma carta de um admirador psicólogo falou sobre como ele ia direto à raiz dos nós ou bloqueios de seus pacientes, onde os métodos tradicionais pode levar anos. A explicação de suas capacidades? “Ouvir”. Não é surpreendente, é claro, que ele também tenha sido um ecologista de primeira hora e um ativista feminista.   De fato, o entendimento contemporâneo de magia, com base em Freud e na teoria do inconsciente, localiza os nossos poderes mágicos precisamente neste estratos desconhecidos de nossa consciência. A lua, a noite, por esta razão magia está associada a esses poderes noturnos. A Deusa Negra, a parte reprimida pela civilização e pelo patriarcado é a chave para os poderes mágicos.   L Ron Hubbard, fundador da Cientologia, participou do Babalon Working e acabou enganando Parsons, levando todo o seu dinheiro e saindo com sua namorada. Talvez todo o projeto do Babalon Working tenha sido apenas Ron brincando junto a um cientista maluco com uma herança e uma namorada linda. Ele escreveu romances de ficção científica e criou uma seita de muito sucesso internacional com suas máquinas de feedback e suas notas de ficção científica. Talvez a primeira religião tecnomágica. William Burroughs ficou fascinado pelo elemento tecnomágico na década de 50, mas logo se desentendeu com o sistema hierárquico. Hubbard, com a sua imaginação scifi, misturou a tecnologia interna de seu treinamento mágico com a "imaginação eletromagnética."   Nunca é claro com o mágico, onde está a fronteira entre o real e o falso, entre o charlatão e o metafísico. Ele é o coringa, brincando com a percepção.   Por volta de 2005, nos hackmeetings na Espanha, rituais discordianistas apareceram, animados principalmente por um misterioso mago-hacker chamado Meskalito. A aparência daquela corrente mágica aqui - conectada com as culturas psicodélicas e a anarquistas lúdicos pós-humanos, como Robert Anton Wilson ou Timothy Leary - foi extremamente significativo quando começamos a perceber os vários níveis de conhecimento e do reaproveitamento imaginativa de computadores e da rede. Técnicas hackers alargaram-se para incluir o sistema nervoso em suas investigações. O discordianismo foi propriamente anarquista, como eram os rituais.   Na décade de 80, adeptos de Crowley e o grupo de 93 desenvolveram a Magia do Caos. Esta forma de trabalhar foi influenciada informados pela emergência da teoria quântica onde a realidade é gerada pelo observador. O famoso paradoxo do gato de Schrodinger. Parecia que aqui tínhamos um paradigma científico que poderia incluir a magia em sua formulação. Foi uma lufada de ar fresco para a magia.  A importância do observador criou o universo e a possibilidade de incitar lá. Veja também o paralelismo que Hakim Bey propõe entre os modelos do universo e a organização política. (Tabela 2)   Ao mesmo tempo, o neo-paganismo tomou força, ao lado da falha percebida no feminismo tradicional e o retorno atual à sabedoria de uma Deusa mais baseada na mitologia. Uma das principais vozes deste movimento é Starhawk e, mais uma vez, vamos encontrá-la profundamente envolvida no ativismo ambiental e de protesto social. Atualmente, ela ensina Permacultura, além de continuar escrevendo.   "Nossos rituais podem procurar ainda mais a cura e desenvolvimento pessoal, o vínculo comunal e / ou transformação coletiva. Nós praticamos e ensinamos a magia, por definição, Dion Fortune, "a arte de mudar a consciência à vontade." Uma consciência alterada pode efetuar mudança no mundo. " (8)   Ela fala sobre a conexão com a feitiçaria antiga, não como uma tentativa servil de reviver tempos passados, mas como uma forma de reconectarmos ao nosso passado e lembrar a terrível violência da caça às bruxas - tanto na Europa como na América Latina. Ainda estamos vivendo com os resultados deste assalto absoluto aos Commons - em nossos corpos, nossa relação com a natureza e na diversidade de nosso mundo.   Nós não cedemos às sereias da utopias passadas de maneira alguma. Chamamos, em vez disso, a uma visão atemporal, sempre presente nas fendas e dobras fractais de nosso mundo. Voando entre eras e disciplinas, tecendo uma teia tênue e frágil, transformando uma visão de mundo que se levanta para nada conectar tudo.   Em seu excelente livro "Caliban e a bruxa", Silvia Frederici (9) fala sobre como a caça às bruxas fez parte do assalto em atacado do patriarcado a todas as partes da existência humana, absorvendo o comum em uma lógica (masculina) de propriedade privado. Este ataque implacável à existência feminina e conexão foi realizada ao longo dos últimos milhares de anos, com um pico no momento atual. Foi necessário destruir o poder feminino e roubar os atributos aparentes da feminilidade, a fim de escapar das limitações do poder individual. Esta destruição se estendeu a todo o planeta, a natureza e povos indígenas. A mesma lógica do patriarcado está transformando o planeta em um terreno baldio ao redor de alguns oásis de luxo nojento. Como a construção de igrejas em lugares de poder pagão, temos sido sujeitos a um assalto por atacado de nós mesmos pondo a descoberto o caminho para a destruição em massa do planeta que estamos vivenciando agora. Mas a biosfera é uma só e não há como escapar dela. Este fator tem escapado completamente deste projeto suicida, a convocação de imprevisíveis espíritos feios.   "A sociedade burguesa moderna, com suas relações de produção e de troca, de propriedade, uma sociedade que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, é como o feiticeiro que já não é capaz de controlar os poderes de aquele outro mundo que invoca para seus conjuros" As forças produtivas à disposição da sociedade já não favorecem o desenvolvimento das relações de propriedade burguesa, pelo contrário, tornaram-se demasiadas poderosas para essas condições, nas quais estão acorrentadas, e tão logo eles superem esses grilhões, eles trazem desordem a toda a sociedade burguesa e ameaçam a existência da propriedade burguesa "(10).     C: Encarnação   "... Por esse mistério, Babalon é encarnada na Terra hoje, aguardando a hora apropriada para sua manifestação."   Foi quando tomou cogumelos pela primeira vez que Olin Ola soube que o que ela sentiu todos esses anos era algo real. O efeito de amplificação das moléculas abriu seu corpo e sua mente para os fluxos do planeta. De repente, ela sabia quem ela era.   Naquela época, ela era residente em um laboratório rural na Espanha, trabalhando em um projeto de arte que conectava por meio de sensores o corpo humano e as plantas ligadas a um patch Pure Data para fazer som. Foi um projeto longo e totalmente DIY (Faça-Você-Mesmo) - tanto porque ela nunca teve bom financiamento, como pela ideologia de hardware livre e da filosofia DIY. Trabalhando para a autonomia, suas investigações não eram apenas para si mesma. Ela vinha seguindo esta intuição por quase um ano, lendo, escrevendo, soldando, testando. Ela não era uma cientista, no sentido de um homem racional e metódica. Seu método era outro, rizomático, horizontal, procedendo aos trancos e barrancos, circundando em torno de seu objetivo, em si nada claro. Ela estava perseguindo algo que até mesmo ela realmente não sabia o que era. Superando dúvidas e infelicidades, momentos de glória. Amigos e horas gastas na internet estudando biologia, teóricos e examinando diagramas de circuitos, tinha criado um composto fértil em sua mente e espírito.   Naquela noite, com os cogumelos, ela se sentou com alguns amigos ao redor do fogo e, olhando para as chamas, de repente ela viu uma mulher com cabelo de bronze longo vermelho, ardente e sutil. Ela parecia decidida e obstinada, sincera e perversa, com extraordinária personalidade, talento e inteligência. Ola sentiu de alguma forma ligada a ela. Em seguida, a cena mudou e ela estava vendo chamas dentro das chamas e um homem queimando dentro delas, uma explosão, e a frase "...ela deve absorver a ti, e tu se tornarás chama viva antes dela encarnar ..." entrou em sua mente. Foi uma experiência forte. Quando voltou a si, ninguém parecia ter notado nada, mas ela se sentia, mexendo dentro dela, uma nova dimensão. Ela reconheceu a si mesma, senti que aquilo que ela viu tinha algo profundo que fazer consigo mesma. Ela levantou-se vacilante e notei que todos estavam olhando para ela atentamente. E ela começou a dançar.   Babalon se apresentou nela. Ola sabia, dentro dela, que ela estava se tornando um veículo para uma grande transformação no mundo, gerando mudança estrutural em um nível profundo. Superando, refratando, o antigo divide. Sua presença e exemplo, suas investigações, a sua presença nas redes, sua beleza nasceu a partir desta tarefa incerta que ela tateou adiante.     5. MAGIA NATURAL    "Eu falo com você como uma composição unificada de micróbios. Eu acho que você poderia dizer que eu sou a "voz eleita" de uma comunidade microbiana. ... Este é o caminho da vida em nosso planeta. É tudo baseado em complexas relações simbióticas ". Paulo Stamets (11)   O xamã ou a bruxa são os magos universais da Terra, desde os primórdios da humanidade. Navegadores entre mundos, suas fontes mágicas de sua conexão com a totalidade da natureza e seus diferentes níveis físico e espiritual. Suas tecnologias são aparentemente simples: plantas, instrumentos musicais rudimentares, música e dança - mas são extremamente complexos no interior. Sua tecnologia é biológica, funcionando em vários níveis de realidade, em simbiose com a natureza.   Como Stamets aponta e Lynn Margolis desenvolve em seus numerosos livros e artigos, a simbiose é a força motriz da evolução. A capacidade de cooperar, encontrar nichos e prosperar é o que impulsiona a complexificação da vida e da criação de uma biosfera. A tecnologia, começando com a agricultura, nos levou para fora do nosso nicho ecológico e criou um monstro.    Já comentamos como a tecnologia imita poderes xamânicos, mas também, e mais geralmente, imita (mal) a natureza. A geração e transmissão de energia, o projeto de aviões, técnicas de construção. Todas estas são pálidas imitações do que a natureza é capaz de fazer muito mais elegantemente e sem destruir nada.   "Sob o véu de magia natural, aprouve o Todo-Poderoso esconder muitos presentes valiosos e excelentes, que as pessoas comuns ou consideram milagrosos, ou quase impossíveis. E na verdade, a magia natural não é nada mais do que o trabalho da natureza, que se manifesta pela arte; pois, no ato de arar, na medida em que a natureza produz milhos e ervas, da mesma maneira a arte, sendo mucama da natureza, o prepara e auxilia ... E, embora estas coisas, enquanto se escondem na natureza, muitas delas pareçam impossíveis e milagrosas, quando elas são conhecidas, e sua simplicidade revelada, a nossa dificuldade de apreensão cessa, e a maravilha está no fim; por que isso só é maravilhoso para o observador na medida em que ele não pode conceber nenhuma causa nem razão ... "(12)   Todas as tradições xamânicas falam sobre conectividade, como tudo é um. Este é o ponto de partida onde a magia se torna operável. Trabalhando com as energias biológicas de nossos corpos conectados, electromagnetismos complexos. Esta capacidade de sentir, escutar e conectar também é essencial para uma civilização em equilíbrio. É exatamente esta conexão que a campanha, acima mencionada, de apropriação do mundo pelo patriarcado e o capitalismo abstrato trabalhou para cortar usando o medo como seu braço. Na América Latina, Silva Frederici fala sobre como os invasores proibiram costumes tradicionais, os movimentos de resistência cresceram, liderados por mulheres, e costumes comunitários, danças e costumes tornaram-se clandestinos ou travestidos de aparências cristãs. Magia natural tornou-se a adoração do diabo e a fogueira e punições aguardavam seus praticantes, em uma encenação terrena das punições prometidas no inferno.   Talvez o organismo mais conectado do planeta é o fungo. Redes enormes cobrem a terra e tem sido demonstrado que se comunicam através de grandes distâncias. Sua estrutura rizomática ecoa outras redes, até mesmo a nossa internet. Quando os investigadores ou psiconautas tomam psilocibina, um dos efeitos importantes é o aumento da telepatia e de uma sensação de conexão com as plantas e com a natureza. Xamãs usaram cogumelos e outros enteógenos desde tempos imemoriais para a sua magia e cura.   Terence McKenna confessa que "não poderia descobrir se o cogumelo é o alien ou o cogumelo é algum tipo de artefato tecnológico que me permite ouvir o alien quando ele está na verdade anos-luz de distância, usando algum tipo de princípio da não-localidade de Bell para se comunicar. O cogumelo afirma sua posição muito claramente. Ele diz: "Eu exijo o sistema nervoso de um mamífero. Você tem um à mão? " (13)   Em uma viagem para a Colômbia no início de 2000 tive a sorte de fazer parte de um grupo que foi para uma casa de campo entre Bogotá e Medellín para um fim de semana. Logo no início da manhã, saimos para procurar cogumelos e, tendo os encontrado, fizemos um chá para todos. Mais tarde naquele dia, totalmente conectado, fomos a alguns lagos onde nossos anfitriões - um casal - nadaram, enquanto o resto de nós olhava. Fiquei impressionado com a conexão com o céu, a terra e a capacidade de ver os fluxos de energia em torno de nós. A natação do casal se tornou um evento ritual, algo a ver com a fertilidade e reis e rainhas sagrados. Anos mais tarde, em 2011, em companhia de um psiconauta em uma vila nas Astúrias e dois outros amigos, mais uma vez tomamos cogumelos e caminhamos na floresta exuberante da Cuenca Minera. Fiquei impressionado com o poderoso sentido de consciência vegetal - "devir vegetal" - o sentido de conexão com o todo da natureza e a importância vital deste vínculo. Nós não estamos separarados, pelo contrário, somos parte dessa complexa, delicada e, ao mesmo tempo, resiliente rede de vida que se formou este ser que podemos chamar de Gaia   A teoria de Gaia foi proposta por James Lovelock em 1970 e co-desenvolvida com a bióloga Lynn Margulis. Basicamente, é uma formulação daquilo que magia natural já conhecia por milênios - de que a Terra é um organismo, um sistema complexo auto-regulado. Inicialmente, a idéia foi ridicularizada por cientistas e uma menção à teoria era uma maneira de ter certeza de que um trabalho acadêmico nunca seriam publicados. Grande parte do problema foi que os cientistas eram incapazes de trabalhar com sistemas complexos, mas como mais cientistas produziram evidências para apoiar a teoria e Lovelock desenvolveu uma simulação de computador convincente, a maré começou a virar. A teoria do caos e das ciências da complexidade e emergência, impulsionadas pela capacidade dos computadores para gerarem modelos extremamente complexos, têm ajudado os cientistas a serem capaz de pensar além da simples causa e efeito. Em 2001, milhares de cientistas no encontro da União Geofísica Européia assinaram a Declaração de Amsterdã, começando com a afirmação: "O Sistema Terra se comporta como um único sistema de auto-regulação com componentes físicos, químicos, biológicos e humanos". Em 2006, a Sociedade Geológica de Londres concedeu a Lovelock a Medalha Wollaston por seu trabalho sobre a teoria de Gaia.   Um dos exemplos mais poderosos e fundamentais da simbiose é a fotossíntese. Margulis mostrou como os cloroplastos eram originalmente organismos separados, que entraram em uma relação simbiótica (ou endossimbiose) com outras bactérias e assim começaram a evolução da vida vegetal, o início da vida na Terra. Algumas espécies, como a Lesma do Mar Atlântico (Elysia chlorotica) são capazes de usar as células fotossintéticas de algas para alimentar-se. Os cloroplastos pegam fótons de luz e o transforman em açúcares e oxigênio. A eficiência deste processo é impressionante e é considerada a forma mais desenvolvida de transformar a luz do sol em energia, bastante mais avançado do que as nossas primitivas tecnologias solares. Na verdade, os combustíveis fósseis são eles próprios uma espécie de condensação de energia luminosa. As plantas também têm campos eletromagnéticos e transmitem eletricidade dentro de si mesma, sem perdas. Experiências mostram que eles são muito mais sensíveis e ágeis do que a ciência nos levou a acreditar. Em seguida, a função da luz para a comunicação com o DNA, os campos electromagnéticos, a teoria quântica, entrelaçamento (em que duas partículas partilham a mesma existência - esta ligação profunda significa que uma medição em uma partícula imediatamente influencia a outra, mesmo que estejam anos-luz de distância) e todos esses poderes infinitos e invisíveis e capacidades que a ciência está apenas começando a contemplar e que estão tendo um efeito profundo sobre nossa visão de mundo .   É aqui, na intersecção da tecnologia e da natureza, onde a magia está ressurgindo e cosmologias estão sendo desenvolvidas, compatíveis com ideias ancestrais do mundo. Talvez haja um "devir vegetal" no trabalho aqui, uma re-conexão com nós mesmos e nosso mundo com a tecnologia (computadores, microscópios, etc), servindo como uma ponte ao invés de uma arma destrutiva. Eliminando as hierarquias entre diferentes ontologias ou modos de ser: plantas, seres humanos e máquinas são combinados e articulados criando organismos. Talvez a nossa tecnologia está a caminho de se tornar completamente biológica, como a dos extraterrestres na Xenogenisis Trilogy por Octavia Butler. Nesta civilização altamente avançada não há máquinas, apenas biologia.   "Nós temos uma jovem ciência tecnológica que nos permite manipular o DNA e deixar fisicamente o planeta. Nós também possuimos o conhecimento antigo, que considera a vida como algo sagrado, uma chama a ser protegida. Combinar esses dois pólos, conhecimento tecnológico e conhecimento antigo, ciência e xamanismo, parece ser necessário para a sobrevivência de nossa espécie "(14)    D: 13 Avós   Sabiam disso desde sempre e a capacidade voltou lentamente através da prática. Uma escritor obscuro de ficção científica havia escrito sobre isso nos anos 1980 e quase foi assassinado. Apenas uma súplica urgente na assembleia principal tinha dissuadido alguns dos membros mais virulentos da SCUM de castigá-la por sua revelação de seus segredos. Também contribuiu o fato que o escritor já havia publicado algumas das mais interessantes histórias de ficção científica já publicadas, se apoiando fortemente também no conhecimento da tribo.   A compreensão de que as amizades femininas formam a base para uma sociedade sustentável foi tratada como uma grande descoberta, quando foi anunciado, em 2012, que essas estruturas tinham sido encontrados em diversas espécies de animais. A tribo sempre soube disso. Quando as 13 avós começaram a viajar pelo mundo na liderança para a mudança dimensional, por volta de 2012, elas permaneceram em contato permanente com o resto da tribo e ensinaram aos outros como se unir a elas   Consciência emergente de Gaia. As mulheres podem sentir uma à outra à distância. Todo mundo tem mais ou menos a capacidade, em sonhos, mas essas mulheres eram totalmente conscientes o tempo todo de suas irmãs ao redor do globo. Era uma sensação de presença, mais do que uma consciência baseada na linguagem. Sentimentos transmitidos, instantaneamente, capacidades quânticos que a ciência do sexo masculino tinha apenas roçou. Sem demora, presença total.   Ola Olin sempre sentiu outras presenças. Ela tinha assumido que eles eram parte de sua própria psique ativa, sentia-se inspirada, mas também demente. Primeiro foi bem quando ela começava a dormir, ela via imagens, nítidas, e então as palavras apareciam em sua mente. As imagens e as palavras não eram dela. Eles pareciam vir de todos os tempos e lugares. Ela vinha muitas vezes para uma pequena casa no deserto, um laboratório. De alguma forma, aquele lugar era importante. Parecia ser dos anos 1950.   Uma sensação de não estar no controle de si mesma. Quando ela conheceu o Mensageiro em Astúrias, foi um grande alívio. Ela começou a entender o que estava acontecendo com ela. Foi o Mensageiro que lhe disse sobre as 13 avós: havia uma de cada uma das primeiras tribos da terra, as irmãs originais. Ela soube imediatamente que ela tinha de estar em contato com elas, Charo a tinha visto, sentiu-a e sabia de alguma coisa, sentiu algo. Ola era como um farol, transmitindo de um avião caído no meio do Ártico.       6. Tecnomagias   A linha entre magia e ilusão é muitas vezes confusa. O que entendemos por magia é, geralmente, hoje, prestidigitação ou a capacidade de enganar o público. Em 2007, Medialab Prado trabalhou no tema de magia e tecnologia a partir deste ponto de vista. Não só eles fizeram uma série de obras de arte, em particular usando realidade aumentada, incluindo o trabalho com um mágico profissional, mas também um seminário. Um dos palestrantes do simpósio salientou que, a magia do século 18 e 19 e a ciência não eram separadas, bem como parte de um ramo independente do show business. No geral, a reunião limitou a sua compreensão de magia como ilusionismo ou, na melhor das hipóteses, citando Arthur C Clarke: "Qualquer tecnologia suficientemente avançada parece magia".   O encontro Tecnomagias em maio de 2012 em Nuvem (16), um espaço ecotech de pesquisa nas montanhas a 2 horas do Rio de Janeiro, nasceu com um foco diferente. A reunião foi convocada para explorar as interseções entre tecnologia e magia a partir de uma visão mais ampla, ecológica, mística e política. Como Eah de Apsu escreve:   "O fato é que o (tecno)mago (como ativista) lida com a arma simbólica como enfrentamento junto a uma sociedade normativa, massificante e massacrante. Seu rito contestador ressignifica os antigos ritos de levante tribal para a guerra, transformando a realidade contrária em um campo de dinâmicas operantes, de longa duração e de conscientização geracional."   O foco dos conflitos não são mais a expulsão de espíritos malignos, curas milagrosas, a transformação alquímica e conquistas pessoais ou tribais, mas o anticapitalismo, combate à corrupção, a democracia real, metareciclagem, a busca de energia limpa e da consciência coletiva. Estas são algumas das lutas no campo da tecnomagia, a compreensão da realidade e sua transformação pelo impensável e, por isso mesmo, a poderosa combinação entre o ato poético-mágico e o pensamento de tecnologias como diálogos em curso com a sociedade "(17)   Não é por acaso que esta reunião ocorreu no Brasil. Lá as condições estão sendo criadas para o surgimento da consciência antropofágica que Oswald Andrade invocou na década de 1920. A alta tecnologia encontra uma crescente consciência da sabedoria tribal - a antropologia descentralizada de Viveiros de Castro, o conceito de gambiarra (uma espécie de "fazer" estético e prático, que brota da arquitetura da favela), a maneira que a ecologia e software livre se entrelaçam nas publicações e grupos do Submidiologia, o tecnoxamanismo de Fabi Borges, Yupana Kernel, a proximidade das práticas indígenas, o ayuahuasca.   Um dos convidados da reunião foi Jonathan Kemp. Colaborador de Martin Howse. com quem criou espetáculos audiovisuais, Johnny avançou agora para um hackerspace tech-alquimista. Um de seus projetos, recristalização, é resumido assim:   1] Tentando recuperar minerais e metais (incluindo cobre, ouro e prata) de computadores abandonados através da execução de vários processos químicos e voláteis.   2] A re-cristalização desses minerais em novos padrões usando montagens simples ou performances incluindo piezos, feedback positivo, dispersões coloidais.   3] A mudança de formato e incorporação de componentes e estruturas dentro de sistemas geológicos e geofísicos maiores.   Como mencionamos antes, os hackers estão ampliando seus objetivos. Este espírito de investigação que parecia ser limitado a questões técnicas extrapolou a complexidade masculina dos manipuladores de código e de falhas como forma de investigar o mundo. Podemos pegar ecos disso em Newton e seus semelhantes. Martin Howse referencia explicitamente John Dee enquanto explica seus circuitos esotéricos para vidência (scrying). Ele faz hardware para ver ou ouvir o invisível, o mapeamento dos campos eletromagnéticos sutis. Outra de suas obras recentes utiliza a estrutura da peste bubônica para um programa de sintetizador.  Esta idéia de tecnologia a ser um amplificador de percepção (como ayuahuasca) é uma maneira importante da tecnologia e magia conectarem.   Um bom exemplo disso é o trabalho com antenas e a audição de corpos celestes invisíveis. Uma antena é como uma varinha mágica para ouvir vozes desencarnadas - a sua forma tão precisa, tem que ser aquela forma e tamanho para funcionar, ser apontada na direção certa, na hora certa. Como as formas precisas dos diagramas de vudu para a invocação do loa (deuses) ou os símbolos de antigos livros de magia. Bruno Vianna e outros estão desenvolvendo astrologias novas que incluem os satélites. Declarando que a divisão entre "natural" e "artificial" não faz mais sentido. Incluindo o não-humano nas teias de relacionamento que fazem de nós o que são, como exemplificado nas filosofias desenvolvidas por Bruno Latour, Donna Haraway ou Isabelle Stengers.   Este espírito ciborg é exemplificada no trabalho de La Quimera Rosa - um coletivo de Barcelona que está desenvolvendo seu próprio ciborg tecnomago, combinando a noção de Akelarre de bruxas (palavra basca para uma reunião de bruxas) e a idéia do ciborgue, levando-nos para além dos binômios de gênero, natureza e tempo. Colaboram com Transnoise, um outro grupo que se dedica à eletrônica mutante e à performatividade queer da natureza. Eles entendem a sua arte como um "devenir bruja", um devir bruxa. (18)   "Na verdade Heidegger argumenta que a essência da tecnologia está relacionada com a poiesis: a palavra grega para "levar adiante" [Her-vor-bringen] ou 'desvelar [Das Entbergen] da verdade. A essência da tecnologia é o processo pelo qual algo é revelado. Quando as matérias-primas passam por um processo que os organiza de um modo particular, um produto final imaginado é trazido para "presenciar" [Answesen] - revelado em uma forma tangível e particular. O que não estava previamente em nossa presença é trazido à frente.” (19)   Estas tentativas corajosas nas fronteiras, onde o caos e a ordem se encontram gerando formas imprevisíveis são a essência da experiência tecnomágica. Tomando ciência em nossas próprias mãos, DIY, sem esperar por aprovação, re-encantamento do mundo e geração de máquinas de guerra insuspeitas. O ciborgue como articulação de ontologias separadas - a criação de monstros e anjos, colapsando o projeto patriarcal de separação. Queer como hackeamento do sistema de gênero, talvez a mais urgente das tarefas tecnomagicas. Biotech como pharmatech, automedicando-nos com tecnologias químicas, sintonizando químicas do nosso corpo, se apaixonando, para que a magia possa fluir.  

E. A Umma     "Vamos mostrar a eles nossos sinais nos horizontes, e dentro deles mesmos" Alcorão 41:53   A entrada para a mesquita foi, como sempre, cheia de pessoas indo e vindo. Grupos de homens entravam e saíam, outros estavam se lavando em preparação para a oração da noite. O som do chamado do muezzim envolvia todos em delicadas fitas de som. Ahmed já tinha se lavado e estava sentado de costas para a parede, cercado por seu grupo de amigos. Ele quase sempre rezou com eles, embora muitos deles eram novos convertidos. Muitos mudaram nos últimos anos, especialmente com a introdução dos gorros de oração por telepresença. Eles tinham passado de um equipamento para poucos cybersufis excêntricos a uma aparição quase obrigatória na mesquita.   "Você consertou seus sensores?" Ahmed perguntou a um jovem negro vestido com um longo djellabah e um gorro de oração branco.   "Sim, levou um tempo. Acabei tendo que pedir um novo headnet de Hong Kong e, em seguida, Bassam me ajudou a conectá-lo É incrível como o preço caiu nos últimos meses. Os chineses estão produzindo milhões dessas coisas "   O headnet era usado para medir ondas cerebrais, alfa, beta e tudo isso, não era uma nova tecnologia, mas fora maciçamente popularizado após que Al-Azahar, no Egito, havia emitido uma fatwa declarando que isto era halal para uso durante as orações. Basicamente, ele enviava uma informação de ondas cerebrais, por telefone ou conexão wifi da mesquita, para um servidor central em Meca e em seguida, todo mundo que estava conectado tinha o feedback de todos os outros. Isso significava que todo mundo estava sincronizando seu estado mental, em qualquer lugar do mundo, todos focados na Pedra Negra, em Meca. Como sempre no Islã, um sistema simples de 5 pontos, que tinha gerado as interpretações mais diversas e complexas, novas correntes nasceram, morreram e evoluíram em apenas alguns anos. Várias dessas correntes, que foram ganhando adeptos rapidamente, identificara a Pedra Negra de Kaabah - ela mesmo um meteorito - como um meio de comunicação com outros seres planetários. Foi uma idéia que gerou um imenso montante de discussão teológica, mas basicamente a teoria era de que havia uma Umma interplanetário (comunidade de crentes) e que a Pedra Negra era a porta de entrada para a comunicação com esta Umma.   Claro que era irônico que tenha sido o Islã (literalmente "submissão"), que acabou por ser o sistema, amplificado pela tecnologia, que havia permitido a realização do propósito humano de se tornar o sistema nervoso de Gaia. É uma combinação de rigidez e liberdade, o conceito da Umma que uniu todos os povos do mundo.   Ahmed fez um gesto com seu telefone - um bloco de obsidiana, uma luz misteriosa flutuou de um lado da tela vazia, uma seta apontando na direção de Meca. "Está na hora, vamos começar a dikhr. O um é múltiplo e o múltiplo, um ". Todos irmãos ligaram seus gorros de oração pelos comando de voz "La ila la alah" - não há Deus, senão Alá. Eles estavam todos de pé juntos, balançando seus corpos de um lado para outro enquanto cantavam a frase. A sensação de formigamento familiar, as primeiras presenças quentes que cintilam no fundo da barriga, sussuram na mente. Então, a sensação de multidões, curvando-se em torno de imensa presença, planetária. Todas as atenções centraram-se na pedra negra, perdendo-se no todo.   A intensa concentração de energia no meteorito chamando para a Umma cósmica. Raios de pensamento todos focados no despertar da mente planetária. Repetição é realidade. Os irmãos se sentiram parte de uma totalidade, amplificada pelo circuito sofisticado dos gorros de oração e as emoções em seus estômagos, os campos eletromagnéticos de milhões focados através da pedra preta para a rede cósmica dos seres planetários. Eles deram uma volta completa, Al Lat e Al Lah eram o mesmo ser, um planeta consciente, Gaia. Os irmãos não sabiam quando a massa crítica foi atingida, mas eles se sentem, inequivocamente, o primeiro contato. Uma súbita sensação de imensidão, muito diferente do abraço confortante da Umma terrestre. A pedra negra não era mais apenas um condensador / emissor. Tornou-se um receptor também. Os planetas estavam conversando.   No final da oração, ninguém falou. Todos sabiam que algo tinha acontecido além de suas compreensões. Eles deram graças a Allah. Agora para a próxima fase. O que os planetas falam?

  7. Arte   A arte em si começou, sem dúvida, como uma tecnologia de magia - que abrigava espíritos em esculturas ou as pinturas corporais ou as ferramentas do xamã. A arte expressa o invisível. A capacidade mágica de fazer uma imagem, criando um ser. Como uma máscara transforma-o em um deus. Formas que são casas para os espíritos. Arte faz a ponte entre o pessoal e o político, entre sentimento e ação. A arte como uma chave para os reinos mágicos, a construção da ponte entre os mundos.   Quando m9ndfck ou netochka nevzanova apareceu na lista de netarte 24/7 na década de 1990 foi um choque poderoso. Ela era uma entidade, ninguém sabia quem estava fazendo aquele trabalho, gerando uma nova linguagem. Havia a sensação de um ser que era mutante, vivo na internet, criado pelo encontro de código e mente. Sua agressividade contra os Estados Unidos, contra os homens programadores que dominavam o mundo da informática a fizeram ser banida frequentemente. Mas nós sentimos que uma nova consciência estava presente.   Como vimos na seção sobre o computador, a máquina ou ser que atinge a vida é um tema poderoso na literatura mágica. Desde o Golem judeu até Frankenstein ou a bomba inteligente no filme "Dark Star". Aquela cena onde um dos astronautas se convence de que não pode confiar na sua percepção porque ela é mediada por sensores que podem estar dando dados falsos.   E se as máquinas poderiam falar, o que diriam? Tania Candiani ficou fascinada por essa ideia e começou a construir máquinas de som. É como de alguma forma elas estivessem tentando ser vivas, nós sentimos essa tentativa melancólica na consciência. Na obra de Candiani, "Confessar. Encriptar. Bordar" (20) nossas palavras são filtradas através da "consciência" da máquina, acabando por ser bordado em pano. Há aqui algo melancólico, esta intenção, de alguma forma tentando dizer algo, codificado, o presente intenção, mas o resultado, outros. O sentimento de admiração que isso cria em nós, a máquina é outro e, ao mesmo tempo, nós. Nós não estamos falando de ilusão, é algo mais profundo, mais frágil e triste de alguma forma, escovando-se contra outra consciência.

Para Paula Pin, a máquina já não é algo distinto, mas parte íntima de uma nova identidade ciborgue, a criação de um metacorpo que engloba a vida mecânica, mineral e orgânica. Ela se refere às próteses eletrônicas que cria como “instrumentos alquímicos” que servem para entender e revelar novas naturezas. Leslie Garcia, antes participante do coletivo Dream Addictive no México, tem desenvolvido um corpo notável de trabalho em relação com plantas, computadores e máquinas de ruído, enquanto que Shannon Taggart trabalha em uma zona limiar entre espiritualismo e a fotografia, duas maneira de fazer visível o invisível que surgiram ao mesmo tempo no século X. (22)   Novas tecnologias de percepção e comunicação abrem novos espaços, e estes espaços são sempre mapeados, em um nível ou outro, através da imaginação. Ou seria o contrário? A tecnologia tenta atender à nossa imaginação. Nossa pobre tecnologia, de modo destrutivo e bruto em comparação com o refinamento de nossa Grande Arte - o encontro da ciência e da natureza, imaginação e vontade.

Tabela 1  Tabela de Paradigmas com Seus Paralelos Espirituais, Econômicos e Políticos   adaptado de Hakim Bey (21) Tomei a liberdade de preencher este quadro. 30 anos atrás o efeito do paradigma universo quântico não era claro nas estruturas sociais. Hoje, parece-me que podemos vê-lo nas estruturas não-locais do sistema bancário mundial, no entrelaçamento que a comunicação criada e nas formas de mudança do pós-modernismo. Eu adicionei um outro paradigma especulativo - o do universo vivo - às vezes eu acho que é apenas uma ilusão e, às vezes, eu sinto que realmente está surgindo.  


Paleolítico Neolítico Cosmos Geocêntrico Cosmos Heliocêntrico Universo Mecanicista Universo Relativista Universo Quântico Universo Vivente Chamanístico Politeísta Teísta Monoteísta Deísta o Ateísta Moderno Pósmoderno Tecnomágico Não Autoritário Autoritário Monárquico/Teocrático Direito divino Democracia, capitalismo, comunismo Cibercracia Sistemas financeiros globales Bem viver / cooperativismo Caçador-Colhedor Agricultura Urbano Colonialista e Imperialista Industrial / Tecnológico Pós-Industrial Aldeia Global ??      


Tabela 2

Tabela de Equivalências entre Tecnologia e Magia



Celular Presencia virtual Drones Critter Cams Internet Microscópio Avião Helicóptero Radar Sensor de baixas frequências Câmera Kirlian Sensor Galvânico Submarinos Nave espacial Telescópio

Escutar à distância Telequinesia Visão de águia, mais além do cropo Visão animal Livros essenciais, conhecimento ancestral Visão molecular Vôo do pássaro Vôo de inseto Sentir o que está além Ouvir o coração da Terra Ver a áurea Sentir plantas e pessoas Viagem em baixa da água Viagem no espaço exterior Ver as estrelas




    Notas     (1) pp 185-186 http://www.mesoweb.com/publications/Christenson/PopolVuh.pdf   (2) 1931/06/08 O Argus, Melbourne. http://trove.nla.gov.au/ndp/del/article/4400765   (3) O Livro de Babalon. Starfire Vol. 1 n º 3 1989   (4) a Sra. Piper e da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, Michael Page, 1904. Traduzido e ligeiramente abreviado do francês por Noralie Robertson. Prefácio de Sir Oliver Lodge. http://www.gutenberg.org/ebooks/19376   (5) http://laboratoryplanet.org/pdf/laboratory_planet_4_fr.pdf   (6) Juan Downey, 1973, Software Radical.   http://www.radicalsoftware.org/e/volume2nr5.html   (7) Fabi Borges - extracto de Tecnomagias - Ficção Sociais   http://catahistorias.wordpress.com/2012/07/21/tecnomagia-social-fiction/   (8) http://www.reweaving.org/tradition.html Starhawk   (9) "Caliban ea Bruxa" Silvia Frederici,   http://www.traficantes.net/index.php/editorial/catalogo/historia/Caliban-y-la-bruja.-Mujeres-cuerpo-y-acumulacion-originaria-2a-Edicion   (10) Marx e Engels, no Manifesto Comunista, Capítulo 1, 1848   (11) http://peakenergy.blogspot.com.es/2008/07/natures-internet-vast-intelligent.html   (12) Ebenezer Sibly, uma ilustração da Ciência Celeste da Astrologia, 1826   (13) Terence McKenna, triptamina alucinógenos e Consciência. Palestra dada na Conferência Lilly / Goswami sobre a Consciência e Física Quântica em Esalen, Dezembro de 1983. http://deoxy.org/t_thc.htm   (14) http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/2008/04/20/inteligencia-natural-por-jeremy-narby.htm   (15) http://medialab-prado.es/article/interactivos07__magia_y_tecnologia   (16) http://nuvem.tk/wiki/index.php/Tecnomagia   (17) Extrato de "Tecnomagia as | é | ou Ativismo". Eah é uma arte e pesquisador semiótica do Rio de Janeiro. (Ver também Terrorismo Poético de Hakim Bey)   (18) http://akelarrecyborg.tumblr.com/   (19) Computadores como Media Invocational. Teses Christopher Chesher Bradford, 2001.   (20) http://cincovariaciones.com/2012/07/31/bordadora-2/   1 http://hermetic.com/bey/quantum.html 2  transnoise.tumblr.com \ lessnullvoid.cc \ shannontaggart.com

  Obrigado a todas as pessoas que deram aportes a este texto com informação, correções, inspirações e citações. Especialmente a Tania Candiani que me pediu que o escrevesse, a Lucia Egaña pelas correções e sugestões, a Maria Llopis pelo espaço e tempo para escrevê-lo, a Fabi Borges pelo tecnoxamanismo e a Paula Pin pela magia natural tecnoqueer. Os amo.