Movimento para acender luzes automáticas

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MOVIMENTO PARA ACENDER LUZES AUTOMÁTICAS

Paola Barreto Leblanc1


RESUMO

O presente artigo investiga uma série de contextos onde a iluminação é automatizada por meio de sensores de movimento e presença. Estes dispositivos podem ser observados em ambientes concebidos segundo uma chamada “arquitetura inteligente”, que projeta espaços que regulam, para citar alguns exemplos, temperatura, iluminação ou ambientação sonora em acordo com a presença e a body language dos “usuários”. Não se trata de cenário futurista de ficção científica, mas de realidades que já fazem parte de nosso dia a dia, sendo incorporadas pela administração pública, a indústria e o comércio, em nome da segurança, a economia, ou o prazer, para citar os discursos mais conhecidos. Mas o que, além do discurso já conhecido, uma investigação sobre a automação dos sistemas de iluminação poderia fazer falar? E de que formas a arte poderia dialogar com estes ditos? Acompanha o artigo uma série de videoexperimentos2.

Palavras-chave: Imagens Técnicas; Teoria Ator-Rede; Coletivos Sociotécnicos



Die Kunst mehr wert ist, als die Wahrheit “A arte tem mais valor do que a verdade” Friedrich Nietzsche: Werke III, ed. K. Schlechta; München, 1977, 693


A proposta deste artigo é empreender uma investigação em espaços públicos e privados cuja iluminação seja regulada por sistemas automáticos ativados por sensores de movimento ou presença. Estes espaços serão analisados como cenários, onde o dispositivo de iluminação aparece como lugar de formação e transformação de cenas. A abordagem adotada alia conceitos do universo das imagens técnicas (FLUSSER, 2008) a procedimentos da Teoria Ator-Rede (LATOUR, 2005). O argumento central é de que a arte pode oferecer pistas para se abrir a caixa preta dos sistemas, driblar seu programa regulador e nele inscrever informação nova.

CHIAROSCURO

Pensando os espaços como cenários, é interessante notar que os primeiros sistemas de iluminação das vias públicas empregam técnicas de iluminação artificial dominadas pelo teatro clássico: tochas e lamparinas a óleo3. Córdoba, por volta do ano 1.000, é a cidade mais populosa da Europa medieval e a primeira a contar com um sistema de iluminação noturna, o qual reflete sua pujança cultural e comercial . No florescer do projeto moderno a iluminação aparece como valor filosófico e estético, e Paris representa sua máxima expressão: cidade-luz (não por acaso, viria a ganhar a alcunha, mais tarde, de “capital do cinema”).

A iluminação artificial, desde a descoberta pré-histórica do fogo, é uma questão a um só tempo simbólica, técnica e ambiental. No Gênesis a luz aparece como criação divina: “e Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz das trevas”4. Na lida com espaços internos ou externos cuja visibilidade não seja considerada satisfatória, à imagem e semelhança de Deus, os homens decidem: “haja luz”.

Ter a iluminação sob controle e tomar este dado como um valor absoluto poderia soar tão estranho ou familiar quanto estar na floresta à noite, e, para se proteger de um predador procurar, ao contrário, a sombra. Recentemente, projetos de iluminação noturna em parques naturais vem causando controvérsia entre paisagistas, ambientalistas e outros atores, uma vez que o impacto causado pela luz artificial seria prejudicial ao meio ambiente (Umwelt5). Pensando em processos de hibridação, vale lembrar que encontram-se, na natureza, ocorrências diversas de bioluminescência, algumas bastante interessantes, como certas algas marinhas e animais que vivem nas profundezas, caso da lula vampiro do inferno (Vampyroteuthis Infernalis6). Nestes breves e díspares exemplos pode-se perceber que a questão da iluminação é um campo heterogêneo e cheio de disputas, e que atua, em suas muitas dimensões, em acordo com certo regime de visibilidade (DELEUZE, 1985).

Quando nos voltamos para os sistemas automatizados, estamos interessados não somente na questão da técnica da automação, mas nas condições de possibilidade que falam nessa técnica, bem como nos pressupostos sobre luz e sombra que uma arqueologia poderia ler nestes dispositivos. Acender e apagar as luzes, na antiguidade clássica, era tarefa de escravos. Hoje, as luzes se acendem e apagam automaticamente, e para que não sejamos todos escravos desta condição, investigamos as forças em jogo nestes dispositivos.

RES PUBLICA

Se o fundamento da iluminação pública hoje continua a se basear nos argumentos da segurança e da ostentação, precisa também levar em consideração os problemas de otimização e ecologia que ora se impõem. Neste sentido as tecnologias de automação são uma grande aposta, como podemos perceber em notícias como as que seguem:


A nova iluminação gera uma luz branca e uniforme, que permite melhor identificação de cores e condições de visibilidade para o tráfego de veículos, ciclistas e pedestres. Essas características contribuem para aumentar a sensação de segurança. 30/12/20117


Os ciclistas que trafegam pela orla na Ciclovia do Trabalhador, em São Vicente, ganharam mais segurança para trafegar no período noturno: o trecho do Itararé ganhou esta semana os 30 primeiros postes de iluminação, de um total de 100, que proporcionarão um visual ainda mais bonito do jardim da praia. “As lâmpadas de 200 watts e luz branca são acionadas automaticamente, por fotocélula”, informou a secretária de Planejamento de São Vicente, Elizabeth Correia - 14/04/20088

Seja por meio de fotocélulas ou sensores, as “cenas” produzidas pela iluminação automatizada apontam para uma gestão da visibilidade, do que deve ser visto, fazendo a distinção entre o que merece receber luz e o que permanece na sombra. Pode-se perceber, nas propostas de modernização e melhoria das cidades em andamento, que existem interesses políticos que colocam luz e segurança de par com turismo e comércio, carregando nestes discursos formas de viver e conviver que estão longe de poder ser pensadas em um terreno de neutralidade, como se a técnica não fosse, ela mesma, uma forma simbólica.

Não teremos aqui a oportunidade de empreender uma ampla cartografia dos sistemas de última geração em funcionamento, nem será possível analisar os acirrados debates que se dão por conta da geração e distribuição de energia em larga escala. Também não iremos nos aventurar em uma arqueologia mais detalhada dos modos de uso da luz nas sociedades, e nem fazer uma antropologia comparada entre coletivos que vivem em acordo com os ritmos naturais da luz do sol. Destas deambulações preliminares vamos assumir apenas que nas relações com a luz e a sombra construímos não somente uma imagem dos espaços que habitamos, mas uma imagem de nós mesmos. Ao puxar os fios de Ariadne que tecem as redes que constituem os ambientes em que vivemos, percebemos o quanto a iluminação é um ator central, que produz diferença e atua na construção de cenas e imaginários sociotécnicos (LATOUR, 2005).


ARTE (TECHNÉ)


Existe hoje na arte contemporânea um volume expressivo de trabalhos que empregam tecnologias computacionais, produzindo cenários relacionais onde sistemas robóticos jogam em tempo real com o público.

1.2.

É o caso da instalação telemática Access (2003) de Marie Sester, onde os corpos que entram em um espaço mapeado são perseguidos por um spot-light robótico controlado por usuários de internet. “Beware. Some individuals may not like being monitored. Beware. Some individuals may love the attention.”9

Na instalação interativa Apostasis (2008) de Rafael Lozano-Hemmer, ao contrário, os refletores robóticos estão programados não para perseguir os corpos, mas sim os vazios. De maneira que neste jogo, são os corpos que buscam a luz. “The piece is intended as a quiet environment where “shy” lights refuse to illuminate anybody, foregoing their normal role as promotional or police tools.10”

3. 4. São trabalhos de artistas que constroem aparatos para problematizar espaços de convivência, propondo, através da experiência estética com jogos de luz e sombra, novas associações que embaralham vigilância, espetáculo, controle e ribalta.

Nossa reflexão aqui, no entanto, não visa o desenvolvimento de um espaço interativo e nem a análise de obras de arte tecnológica contemporânea. Trata-se mais de pensar uma poética (poeisis) dos lugares aonde, efetivamente, vivemos e convivemos com sistemas automatizados. De forma que é menos a criação de uma “obra-de-arte” o que nos ocupa, e mais a investigação de processos performáticos que podem se tornar arte na lida cotidiana11. Neste sentido não buscamos a construção de um aparato automático, mas sim a experimentação de modos de desconstrução do automatismo.

AUTOMATISMO > AUTONOMIA > AUTO POEISIS

Para os programadores de sistema automatizar significa “dotar sistemas de mecanismos e dispositivos capazes de realizar, com o mínimo de intervenção humana, tarefas que satisfaçam restrições tais como segurança, conforto, produtividade, entre outras.”12

Etimologicamente autômato vem do grego auto+maton - o que se faz por si mesmo, que não tem uma causa motriz exterior nem depende de vontade para se mover. No entanto, para além deste aspecto mecanicista, a característica principal da caixa preta é que ela funciona e nos faz funcionar em acordo com um programa que é autônomo. Esquecidos de todo esforço empreendido no cálculo que faz rodar o programa, apertamos um interruptor, e o programa, automática e autonomamente, funciona. Para continuar no recurso a etimologia, autonomia do grego auto+nomos - que obedece à sua própria lei, e pensando em seu uso logístico, que é capaz de continuar sem se alimentar ou se abastecer. Contudo, pensar somente a autonomia de um sistema ainda não é o bastante para mudar seu programa. É preciso pensar em termos de produção de informação nova, diferença, inovação. Para inovar, o crucial não é se mover e nem se manter, mas se alterar. Um sistema que produz informação nova não pode ser somente automático ou autônomo, mas precisa ser, sobretudo, autopoético13. Mais uma vez do grego auto+poeisis – que se auto constitui, continuamente, em suas próprias associações internas e com o ambiente, num processo de feedback que o mantém vivo, em constante processo de transformação.

“Alguns destes sistemas consideram-se inteligentes. No entanto, em sua maioria, apresentam apenas mecanismos automáticos. (... ) Sistemas Inteligentes devem considerar características como capacidade de aprendizagem e habilidade proativa. Entende-se por habilidade proativa a capacidade que um indivíduo não apenas reagir a um determinado evento no ambiente mas também de tomar iniciativas e decisões baseadas em seus objetivos e experiências. KRÜGER, 2009


No caso dos sistemas de iluminação acionados por sensores de movimento ou presença, somos instados a efetuar algum movimento para o programa funcionar. A luz – e como conseqüência a visualidade – é uma função do movimento. Desta forma duas premissas indicam duas possibilidades de relação com o espaço: 1. Para que haja luz, deve haver movimento. 2. Para que haja sombra, deve haver imobilidade. Pode ser que o movimento efetuado para acender a luz tenha uma característica estranha, absurda, não funcional, quase dadaísta : como é habitual em toiletes equipados com o sistema, que requerem movimentos que não fazem parte do repertório habitual de gestos neste espaço. Justo nesta possibilidade performativa do repertório de gestos14 (FLUSSER, 1999 apud BERNARDO, 2008), reinventa-se lugares que quebram a lógica funcional, maquínica, mecânica e sugerem uma poética. Deste modo a questão da técnica vai ser tomada como a questão da arte. Arte entendida não como um campo pré-estabelecido, identificado com o mercado e o consumo institucional do que se convenciona como arte; mas um modo de estar no mundo que reinventa relações com os objetos técnicos. Ser artista é brincar com o programa. Assim

seríamos, de repente, todos ‘artistas’ (aqui, o termo “arte” engloba ciência, política e filosofia). (...) O “artista” brinca com o propósito de produzir informação nova. (FLUSSER, 2008. Pgs 120-126)

Normalmente nos lembramos do programa dos aparatos quando eles entram em pane. Em uma noite de vento e chuva, a amendoeira a balançar de um lado para o outro dispara o sensor de movimento que liga e desliga a luz da entrada da garagem. A gratuidade da folha que tremula diante do sensor e da câmera desfuncionaliza o aparato e sugere um novo e aleatório cenário.

CASE CENARIO #1 – EXT/NOITE – AV. VIEIRA SOUTO

6. 7.

Caminhamos ao largo de uma calçada no bairro carioca de Ipanema, e somos surpreendidos por uma iluminação direta, que de certa forma “aponta” para nossa presença: somos colocados sob a mira da luz. Se estivermos nos dirigindo ao prédio, este sistema presta uma serviço ao vigia que está lá dentro, poupando-o do ato mecânico de acender as luzes. Mas se, por ventura, estivermos apenas de passagem pela calçada, o que o foco luminoso pode indicar? A supressão do direito de passar desapercebido, longe dos holofotes? Seria a busca pela sombra um comportamento considerado potencialmente suspeito? Diante da máxima perversa Nothing to fear, nothing to hide, propagada pela política de vigilância britânica, é preciso pensar no direito à sombra. Se por um lado, é senso comum que todos tenham acesso à luz elétrica, a defesa pelo acesso universal à sombra também merece atenção. “Politics is the distinction between private space and public space” (FLUSSER, 1990).

Os sistemas automatizados são observados comumente em lugares de passagem: corredores, halls, pontos de acesso. Lugares de trânsito, onde não se supõem permanências, mas onde, ao mesmo tempo, certa frequência de movimento seja observada. De forma que além de um serviço, a um só tempo funcional e econômico, o acender automático das luzes atua também em uma dimensão de intimidação, reforçando os territórios de quem está do lado de cá da luz e quem está do lado de lá. Entre um dentro e um fora. Para responder ao desejo de monitoramento dos fluxos, e ao mesmo tempo evitar o que hoje é compreendido como desperdício, desenvolve-se o dispositivo, que automatiza um modelo panóptico. O panóptico pode ser descrito de forma muito breve como um modelo arquitetural onde os vigiados encontram-se sob constante vigilância, permanecendo o próprio vigia na sombra. (FOUCAULT, 1983; DELEUZE, 1992) Os espaços onde a iluminação é regulada pela presença ou movimento de passantes coloca a todos sob a luz da vigilância. Os holofotes automatizados das edificações, via de regra gradeadas e monitoradas por câmeras, voltam-se para as calçadas públicas e ampliam as “possibilidades de interação com os corpos presentes, permitindo que estes sejam interpelados de forma contextual pelo próprio ambiente” (BRUNO, 2012).

É notório que os regimes de visibilidade variam de acordo com as áreas das cidades, dependendo de seu potencial turístico e do poder aquisitivo dos moradores da região, entre outros fatores. Contudo, o barateamento dos sistemas e o crescimento do mercado de segurança colaboram com uma tendência de padronização de formas de gestão da iluminação, que, como vimos, são centros de disputa na construção de imaginários e modos de viver. No case cenario #1 percebemos como os processos de automação naturalizam certa economia da iluminação, de maneira que o programa em curso cai no esquecimento, torna-se opaco, e enquanto estiver funcionando, não parece haver sentido em questioná-lo. Sob o risco de cair em uma redundância entrópica, que produza situações cada vez mais prováveis, vamos apostar na arte como lugar de produção de diferença, informação nova. Informar: produzir situações pouco-prováveis e imprimi-las em objetos (FLUSSER, 2008). Na busca pela produção de diferença e inovação (LATOUR, 2005), empreendemos nossa brincadeira com os aparatos.

Um aparato é um brinquedo que simula um tipo de pensamento (FLUSSER, 1984; 1985). Aparato vem do latim Apparatus – do verbo apparare que indica o estado de prontidão para algo (ad+parare). Curiosamente é nesta constituição do próprio aparato que encontramos uma chave para acionarmos novos modos de lida, mais despertos e atentos, e menos capturados pelo programa. Este caráter predatório observado na etimologia do termo aparato também se observa em certas práticas de escuta e criação coletiva em teatro e dança, como os Viewpoints ou o contato improvisação15. De maneira que, em nossa reflexão vamos assumir o estado de prontidão como uma performance contra a programa (FLUSSER, 2008).

CASE CENARIO #2 - INT/ DIA – CORREDOR DE EDIFICIO

8. 9.

Se ao acaso ao invés de simplesmente passar, permanecêssemos, num atentado deliberado de quebra do programa, por horas a fio transitando pelo lugar de passagem, forçando a luz a permanecer acesa? E se, experimentando ainda, permanecêssemos quietos, parados, imóveis, nos camuflaríamos no ambiente e nos tornaríamos invisíveis?

CASE CENARIO #3 – INT/ NOITE – HALL DE ENTRADA PREDIO DE APARTAMENTOS

10.11.

Que gestos, ensaiados ou aleatórios, perpetrados por pessoas, animais, plantas ou coisas, poderiam mudar a cena? 12.13.

No embate contra a captura pela iluminação automatizada entramos em um jogo (brincadeira) que subverte o programa e reinventa outras lógicas de existência. O estado de prontidão atravessa uma topologia de espaços potenciais16 criando um campo de virtualidades (OLIVEIRA, 2003 ) onde as potências do falso (DELEUZE, 1985) podem se multiplicar.

Como sabemos, as imagens escondem aquilo que representam - Bilder verstellen was sie vorstellen17 . A transformação moderna do mundo em imagem, ou a criação de uma imagem científica do mundo (HEIDEGGER 1986; FLUSSER, 1990), mascara que a cena é um contexto de agenciamento (Verhältnisse; Bezüge, FLUSSER, 1990) onde humanos e não-humanos se relacionam entre si. Mas se jamais fomos modernos (LATOUR, 1994), não há sentido em relacionar sujeitos (sub_jects) e objetos (ob_jects), previamente constituídos em uma cena já dada. Trata-se de investigar os trajetos (tra_jects) que tecem as redes de associações que constituem a todos (LATOUR, 2012).

RES EXTENSA

“ali onde a visão é próxima, o espaço não é visual, ou melhor, o próprio olho tem uma função háptica e não óptica” – Gilles Deleuze e Felix Guattari – Vol V Capitalismo e Esquizofrenia pg 205)


A ideia de uma visão próxima, colada a superfície dos corpos e da matéria e atenta às associações que as constituem, opõe-se à perspectiva do ponto de vista privilegiado, separado das coisas vistas. Esta distinção poderia ser colocada em termos da diferença entre o dispositivo panóptico, já descrito, e um processo oligóptico (LATOUR, 2005, pg. 181) que se ocupa não com uma totalidade, mas com o que é próximo, a distância pouca (oligos = pouco) . O acrônimo da Teria Ator Rede em inglês, ANT, é a mesma palavra que designa formiga neste idioma. Se a estrutura do formigueiro pode servir como metáfora ao pesadelo futurista, onde humanos atrofiados são controlados por um super cérebro que a todos escraviza (FLUSSER, 2008), esta mesma estrutura, entendida como um sistema complexo, também pode servir para se pensar modos de cognição distribuída, onde inexiste um controle central e onde as potencialidades de inovação encontram-se precisamente nas associações entre suas células (LATOUR, 2005; OLIVEIRA, 2003). Uma utopia onde as formigas sonhem dialogicamente. (FLUSSER, 2008) Ao contrario de um sistema mecânico simplista, um sistema complexo é capaz de produzir informação nova. A heterogeneidade estrutural dos sistemas complexos instaura um campo de mediações entre os níveis global e elementar que tem como resultado a aparição de novas propriedades no sistema. (OLIVEIRA, 2003, pg 149)


A análise do formigueiro de Hofstadter nos ensina que é dos “agenciamentos entre as formigas que vem a inteligência do formigueiro”. 18 A trajetória de uma formiga é errática. Mas quando associada a outra formiga, e a outra, e a outra, forma um traçado de agenciamentos que produz informação nova. “As relações engendram os objetos, os seres e os atos, não o inverso.”19Quando pensamos a superfície do formigueiro em sua extensão, não estamos propondo a oposição moderna entre res extensa e res cogitans, uma vez que tomamos materialidade do próprio formigueiro como um meio (Medien) que produz significação.

Nos sistemas complexos não há um centro controlador; o controle é meta-estável. Não obedecem a uma lógica discursiva; são dialógicos. O indivíduo é efeito de rede, e a rede também é efeito das conexões indivivuais: os “eus” são os nós da rede (FLUSSER, 2008). Aí reside a brecha na caixa preta: não estamos capturados por um “controle” ou um “poder”. Estas categorias, assim como tantas outras, não nos auxiliam aqui. Precisamos de um novo vocabulário e uma nova gramática para lidar com esta nova episteme (LATOUR, 2012). Aqui reafirmamos nosso propósito de, através da experiência estética, contribuir nesta tarefa.

AESTHESIS

No primeiro capítulo de Matéria e Memória Henri Bergson define matéria como conjunto de imagens, destacando a imagem do corpo como um ponto problemático, uma vez que o corpo é imagem e afecção: “je vois bien comment les images exterieures influent sur l’image que j’appelle mon corps.” 20 A atenção à materialidade vista assim nos coloca no plano sensível (aesthesis), das superfícies, e das imagens. O sensível é o que temos em comum, é aquilo que partilhamos.21 Nossos corpos, em constante diálogo, tecem o ambiente, podendo, a cada momento, estabelecer novas associações que desprogramem os aparatos e produzam informação nova. O corpo transitório, quase-sujeito, quase-objeto: Mon corps, object destiné a mouvoir objects. Nossos corpos, em sua performatividade, são como interruptores dos ambientes automatizados, e é pelo nosso movimento que regula-se a luz. Somos personagens22 de cenários, mas nossas per-formances também in-formam os cenários. De maneira que o corpo, como a luz23, é também uma mídia que trans-forma o ambiente, como buscamos expressar em nossas videoexperimentações.

Nestes experimentos externos e internos apostamos na arte como saída do cenário catastrófico do formigueiro cego onde funcionários apertadores de botões repetem, esquecidos, o código de um hiper programa. Ao investigar a arte em suas dimensões técnica (criação de aparatos), poética (criação de novas formas) e estética (criação do comum), tateamos como formigas (ANTs) que buscam agenciamentos, criando novos mundos onde sejamos não intermediários, mas atores que jogam com o programa e produzem informação nova. (LATOUR, 2005; FLUSSER, 2008)

BIBLIOGRAFIA

BERNARDO, Gustavo; Finger, Anke; Guldin, Rainer. Vilém Flusser: uma introdução. São Paulo: Annablume, 2008

BRUNO, Fernanda. Contra-manual para câmeras inteligentes: vigilância, tecnologia e percepção Revista Galáxia v. 12 n. 24 (2012, no prelo)

FLUSSER, Vilém. Television Image and Political Space in the Light of the Romanian Revolution. Lecture Budapest: Kunsthalle Budapest 07/04/1990 - http://youtu.be/QFTaY2u4NvI acessado em 02/08/2012 ______________. Towards a philosophy of photography (Fuer eine Philosophie der Fotografie), Goettingen: Edition Flusser im Verlag European Photography, 1984. _______________. A filosofia da caixa preta. São Paulo: 1985. ______________. O universo das imagens técnicas : Elogio da Superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008

DELEUZE, Gilles. Image Temps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1985. DELEUZE, G. ______________. Post-scriptum sobre as sociedades de controle in Conversações. São Paulo: Ed 34, 1992 _______________, GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Ed 34, 1992

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1983 _____________. A arqueologia do saber -7ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

HEIDEGGER, Martin. “La question de la technique”. In: Essais et Conférences. Paris: Gallimard, (1958) 1990. _____________________.Na época das imagens de mundo. Tradução de Claudia Drucker, com consulta às traduções de Wolfgang Brockmeier para o francês, em Chemins que ne mènent nulle part (Paris: Gallimard, 1986, pp. 99-146), e de William Lovitt para o inglês, em The Question Concerning Technology and Other Essays (Nova Iorque: Harper, 1977, pp. 115-154) http://ateus.net/artigos/filosofia/a-epoca-das-imagens-de-mundo acesso em 09/08/2012

KRÜGER, Gustavo Rezende. Proposta de um sistema automático inteligente para o gerenciamento de consumo energético residencial. Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Informática, do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Cascavel, 2009.

LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos. São Paulo: Editora 34, 1994. _____________. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory. New York : Oxford University Press, 2005. _____________. “Where do objects reside if not in the res extensa?” Conferência apresentada no Simpósio Vida Secreta dos Objetos - Rio de Janeiro, 2012

LOZANO-HEMMER, Rafael. Apostasis, 2003 http://www.lozano-hemmer.com/apostasis.php (acesso em 10/08/2012)

OLIVEIRA, Luiz Alberto. Biontes, Bióides e Borgues, in O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003

SESTER, Marie. Access, 2003 http://www.accessproject.net/ (acesso em 09/08/2012)