Maya Dikstein

De wiki da nuvem
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Proposta de trabalho'


8’18”

O trabalho propõe “capturar” a duração na qual a luz solar percorre até chegar ao planeta Terra. Os raios solares levam em torno de 8 minutos e 18 segundos numa viagem de aproximadamente 150 milhões de quilômetros para chegar à nós. A proposta é fotografar o tempo desta não chegada da luz - o lapso entre as distâncias planetárias – a partir da imagem de uma árvore. A escolha deste ser é uma metáfora de algo que se alimenta de luz (assim como nós). A fotografia terá uma longa exposição de 8’18”, embora esse número seja aproximado, olhando para uma árvore. O que me interessa aqui não é buscar a nitidez da imagem, o que me encanta são as grandezas envolvidas, no entanto, vivenciadas de uma maneira simples no silêncio dos minutos anteriores a primeira chegada de luz nova. A repetição das diferenças que cada céu apresenta diariamente, num ciclo que se altera na sutileza. O trabalho é uma experimentação dos momentos anteriores ao encontro do sol com a terra e os seres. Fala sobre o lapso desta chegada e a grandeza da dimensão espacial vividos na simplicidade do gesto de se estar aqui presente. O desenvolvimento do trabalho se dá primeiramente a partir do estudo sobre os crepúsculos da manhã: civil, náutico e astronômico. A partir das diferentes angulações do sol em relação a Terra antes do amanhecer, definir um horário para iniciar o processo fotográfico. A prática diária e a sua observação certamente vão trazer novos ajustes a serem feitos ao ato fotográfico e a técnica que isso envolve. Alguns estudos serão feitos em digital, mas o trabalho propõe o uso do analógico como materialização da luz que desenha no negativo a imagem captada. Uma fotografia que fala sobre si própria ao buscar no lapso de luz sua existência.


A chegada

A chegada escrita após a chegada. alguns dias depois, quando me sinto agora sim chegada. e recrio a sensação de curvas intermináveis, um ritual de subida que faz do transito algo materialmente vivo em meu corpo. palavras secavam conforme o motorista engatado numa marcha que me pergunto se primeira ou segunda sacolejava o ônibus numa batucada longe de carnaval. o encantamento de uma Africa vivida nas histórias de Luciana ia deixando pra trás pelos começos da montanha. ficavam esparsas as belas mulheres de turbante na cabeça que dançavam na multidão. a curva da ferradura materializava a condição de que subíamos. a condição de estarmos em trânsito, num constante movimento. O rio daqui me relembra em som cada vez que o percebo, contínuo, sem parar. sem pensar. e abre caminhos escorrendo suas águas. serendipity. Com computador aberto, uma média média e broa de milho com queijo minas. o homem de avental perguntou três vezes se era pra esquentar. pelo visto em Resende não se esquentam broas. Gosto desses momentos de espera entre viagens. e quantas viagens nesses últimos dias. a baldeação nasceu na roça, e o metro copiou essa idéia. na estrada bons jardins, friburgos, rios, resendes, pavões. cada canto num canto longe de se encontrarem. as belas mari, tais e cinthia se encontrarão nela a pé. sabem que com os pés se vai mais longe. Você tá indo pra nuvem? soaria estranho se não estivesse. Na próxima vez que subir estenderei a pergunta pelo Graal, no auto falante anunciavam a partida dos ônibus enquanto brincava de adivinhar quem vinha de João Pessoa. aquele ali com cara de exausto. poderia seu eu. na chegada, um dia lindo. Sol. Amanhecera nublado, no rio. Caminhava com Luciana e as inúmeras partes de mala fragmentada. Ombros e maõs todos ocupados num só tempo enquanto o pés pisavam lento e agradável. Barulho bom de passo em terra. Falar do trabalho é falar do que acontece, seja isso arvore, foto, crepúsculo ou lavar prato pia copo. Sentei pra escrever sobre o desenrolar do 8’18”, mas vejo que ele existe aqui junto com tomar banho no rio, congelar pé, colher menta, brincar com mel e conversas ótimas na mesa oval que faz barulho cada vez que se apoiam braços. Ele existe no convívio entre o espaço ocupado num fluxo intenso e suave entre pessoas.

O rio daqui

Utilizei o restante de filme que ainda estava na camera, um kodak pro-image 36 poses. Filme simples, sem firulas, optei por deixá-lo ao invés de tentar uma manobra sem queimar o restante. Quis arriscar um asa 100 na escuridão. Peguei o tripé e raparei que o encaixe havia ficado na camera da ultima pessoa que usou alguns dias antes lá no TIBA. a vida. um aviso na portinha dizia "equipamento: pedir a Luciana, Cinthia Bruno. As 5 da manhã achei feliz deixá-los dormir, na nuvem se sonha - ao som do rio que corre. O tripé de dentro da portinha era verde musgo, maciço , pesado. parecia objeto de exercito em sua brutalidade verde. resolvi deixá-lo. com minha lanterna fraca e chinelo na grama molhada andava pelo jardim. uma escada estava ali aberta, boa solução para apoiar a camera. e foi com ela que comecei. o silêncio da escuridão antes dos primeiros raios. uns bichos acordando, outros indo dormir. a luz sobe em tons amarelados numa mistura com azul acinzentado e nuvens desenhadas. Se faz branca num céu cinza bem claro. Vejo bananeiras e várias outras que desconheço. Tenho vontade de começar os preparativos do café. salada de fruta bem picadinha. misturo tudo o que encontro. mamão, maça, banana, laranja espremida, linhaça, castanha do pará e gengibre. esse dá um toque especial e vem da horta. o chá é de algo que acho que já provei, que acho que já ouvi falar, mas o gosto não é nenhum nem outro. é simplesmente bom. Passo o dia pela casa. céu bonito, entre sol e nuvens. o rio gelado me lava e leva. a sensação de correnteza no corpo faz uma massagem e as pedras anatômicas ali se encaixam de alguma maneira tal que dá certo. cada vez de um jeito diferente.

A-manhã

vejo clarear pela janela do taxi que insisto para ir mais rápido. o trânsito é livre, chego rápido na viação aço. viação aço. viaçãoaço. som redundante. Tá tarde, acho que bateu um sono. Hoje foi meu aniversário e o Bruno preparou de primeira viagem um bolo delicioso. entrou para os fazedores de bolo lactovegetariano, sem ovos nem leite, já no esquema. Na viagem dormi muito, eu e Luciana que até então no décimo sono em cadeiras distantes da nuvem, era mais uma mulher sentada. Sou atravessada por considerações de como seria bom ir me deitar, o dia começa cedo junto com o sol. Tenho vontade de continuar a escrita. Amanhã é meu último dia aqui. cheguei ontem... Esse tempo de roça. O sol tem nascido branco, acinzentado por camadas de água que não terminam de cair. a casa dorme. o vagalume parece um pouco perdido, voa meio desnorteado e pim! pousa no meu casaco. é quase inicio da manhã e me encontro com o último vagalume antes da luz refletir mais forte no horizonte. meu casaco era noite, deve ter sido a coisa mais preta que encontrou correndo para continuar brilhando. foi a primeira vez que vi o formato de um vagalume. acordar cedo tem dessas coisas. Sentamos todos num circulo pertinho e aconchegante com uma manta que cobria o chão frio e meditamos juntos. Recebi depois um super presente 'cachoeira'. Bebemos vinho e cachaça artesanal acompanhada de quiz sobre ingredientes. Bebeto e Mayra trouxeram quase que junto com o filhote que encontraram pelo caminho. A Mel ia ganhar um irmãozinho.

Breu

Fui andando em direção ao que me parecia o breu total. não queria interferência alguma de luz. pela estrada de terra caminhava de pijama e galochas, com duas cameras penduradas. estava eu ali, som de rio alto, bichos e mato. me sentia sozinha e vulnerável no meio do caminho de terra. com uma lanterninha michuruca seguia pra ter certeza de que não pisaria em nenhum animal no caminho. sentia medo. não de cobras, lobos, aranhas. mas de pessoas. pessoas que pudessem aparecer no caminho. medo de que descesse algum carro. e a condição de ser mulher ali não me deixava quieta. a escuridão total no meio do mato com bichos me acalmava, a escuridão total com a possibilidade de pessoas só me deixava inquieta. o corpo era o suporte e nele ia buscando posições para apoiar a camera. com a história do tripé, acabei deixando de lado esta idéia e resolvi explorar outras formas de interação com a maquina. sentada no meio da estradinha, bunda parte numa pedra que não dava conta de cobrir toda a superfície e minha calça molhava do chão chovido. pés dobrados. joelho pra cima como apoio para a foto. muitas coisas pra orquestrar. cameras, foco, lanterna, relógio. precisava daquele pouquinho de luz pra conseguir visualizar a imagem e com a lanterna entre as pernas, peitos, segurada pelo ziper, entre pés buscava formas de liberar minhas mãos. ajustava como dava e pensava que uma lanterninha na cabeça não seria má idéia. o medo me atravessava de repente. parecia que ouvia som de carro outra vez. só não queria ser percebida pensava. tá descendo droga! não, não, não.. ficava atenta para se precisasse entrar pelo mato e me esconder. a insegurança cultivada em tantos anos na cidade, as armaduras que construí por tanto ser invadida e violentada por olhares, gestos e histórias. elas mostravam suas amarras. seguia andando. De pé, camera apoiada na cabeça. um silêncio com som de água, eu parada escutava. uma arvore de tronco esbranquiçado e fino enquanto de olhos fechados pressionava o botão de braços estendidos na cabeça. momentos tranquilos de acordar com o sol. um despertar. um latido forte me assusta. alguém havia me percebido ali. escuto os primeiros cantos do galo. a roça deve estar acordando. sem querer ser percebida pensava que essa era a hora que poderia cruzar com alguém. sem poste que iluminava, longe da nuvem, isso me deixava insegura. o resquício da paranóia urbana é tanto, a dependência da luz elétrica tbm. me atravessavam pensamentos de que talvez fosse bom esconder as cameras por debaixo do casaco, just in case. escrever isso soa ridículo. que bom. quem sabe assim se redimensiona as proporções. Caminhando de volta, um gato me percebe bem de longe. está desconfiado e fica imóvel por um tempo. não quer ser percebido. seu instinto é permanecer o máximo parado até que numa única tacada certeira sobe o muro. é fascinante ver os instintos de defesa e captura de bichos. nesse ultimo mês morando na roça fiquei encantada com isso. Ele me observa com os olhos brilhantes na luz baixa cada passo que dou. me percebo bicho. completamente bicho. e se fico estática como defesa é contra outro bicho homem. acho que criamos um canibalismo distorcido. porque se nos matamos não é porque temos fome. Um pássaro lindo pela janela. bico branco longo, cauda amarela extensa com corpo preto. uma névoa bonita aparece bem atrás de sua árvore. o dia amanheceu num branco difuso pelas nuvens baixas.

Roçar na nuvem