Janaina Carrer + Pedro Hurpia

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São Paulo 08/01/2015

Nuvem - residências de verão 2015

E foi com muita alegria que recebemos a notícia sobre a nossa residência artística no Nuvem - residências de verão 2015. Eu e Pedro já vínhamos realizando parcerias, principalmente com relação a uma série de trabalhos meus, intitulada Elementais, (você pode saber mais aqui [1]) mas está será a nossa primeira residência artística juntos. ;-) E para iniciar dividimos aqui nossa proposta inicial para o trabalho:

Durante a residência a performer Janaina Carrer e o artista visual Pedro Hurpia pretendem criar um espaço físico de terra para a Decomposição. A idéia é realizar ações performáticas a partir da metáfora de uma composteira orgânica. A proposta dá continuidade ao projeto Elementais, que consiste na realização de performances que se desdobram em imagens e/ou textos. Este processo de transmutação de linguagens está contido na própria temática: a Alquimia e seus procedimentos de transformação da matéria. Acredita-se que na Alquimia, a idéia de converter metais pesados em ouro seria uma metáfora para a transformação do ser humano, seu processo de transmutação a um estado superior de consciência. Operações sobre a “matéria”, corpos/objetos/metais, são também operações “espirituais”. A proposta agora é investigar o processo de “Decomposição” (ou Putrefatio). Parte da primeira etapa alquímica, na decomposição (elemento terra), a transformação da matéria orgânica em minerais é analogia para processos de crise e morte, a destruição do que não serve mais e o adubar de uma nova vida que pode surgir.

Para a residência o processo de criação consistirá em

1)construir um espaço de madeira e terra para ser o local de “compostagem”;

2)realizar diariamente caminhadas meditativas para recolher/lembrar/listar resíduos psicofísicos a serem despensados;

3)transformar este resíduos listados em elementos materiais (fotos, textos,etc) e, diarimante realizar uma ação performática e ritualistica para seu despejo;

4) Ao final da residência realizar uma ação final neste espaço.

Propomos que após a performance final realizemos um bate-papo sobre a pesquisa, além de disponibilizar na web da Nuvem as imagens produzidas nas ações diárias, bem como um texto final sobre a residência.

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São Paulo - 11 /01/ 2015


Enquanto o dia não chega seguimos com os preparativos (a imagem acima foi retirada da internet, em pesquisa de modelos para composteiras)

Com o tempo, as ideias ganham novos contornos e objetividades. Novas anotações no caderno surgem:

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Putrefatio

(ou Decomposição)

Objetivo:

- Criar uma “composteira orgânica” metafórica para todos os meus ‘restos’, o meu próprio lixo que pode agora virar ‘adubo’, fermentação de uma nova vida.

Métodos:

- Desenvolver e registrar ações que geram resíduos;

- Despejar diariamente os resíduos destas ações na composteira;

- Por último despejar a matéria principal para adubagem: meu corpo

Conteúdos e Processos:

DIGESTÃO -o ato de comer, o alimento que gera energia e vai embora. O que sobra daquilo que meu corpo ingere? A comida que escolho faz parte do que sou; é ela que também produz e forma meu corpo, meus hábitos, meus pensamentos. Despejar meus restos de comida, a primeira e mais simples ação de levar para a decomposição aquilo que meu deu vida e que vai gerar nova energia.

EXPURGAÇÃO - do verbo expurgar, eliminar aquilo que é prejudicial, ou corrigir defeitos e impurezas. Para este ato a matéria escolhida é a palavra, é por ela que pretendo expurgar os pensamentos/imagens/anseios negativos/enrijecidos/padronizados. No fluxo do pensamento que se torna palavra não falada, mas escrita. Uma escrita automática de longa duração, feita em uma máquina de escrever (sem direito a apagar, refazer, voltar ou arquivar). É este expurgo que vou despedaçar e devolver a terra; palavras/pensamentos que, expurgados, serão adubo para novas palavras/pensamento nascerem.

SEPARAÇÃO - do processo de separar as partes da matéria; isolar o positivo e o negativo; o trigo do joio. Esta ação ainda nãos e delineia muito bem para mim…o trigo e joio são ótimos elementos para este processo mas estão atrelados a um peso de moralidade religiosa, bíblica, que não me agradam… Processo necessário este de aprender a separar e distinguir os elementos/pesamentos/hábitos e forças que contenho e atravesso. Quais os ‘encontros potentes’ carrego em mim? Como distinguir o que me potencializa ou não? (Ver Spinoza. Pensar mais). O procedimento alquímico 'Separatio' consiste em distinguir os componentes desordenados da prima matéria, dar ordem ao caos, ter consciência dos contrários e separar os elementos. Que contrários caóticos preciso separar, ter consciência?


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São Paulo, 13/01/2015


Coisas boas da criação: quando se começa algo, outras surgem.

No teste da máquina de escrever para a ação na residência no Nuvem, me animo e inicio uma outra ação já desejada antes: escrever “cartas provocações alquímicas”.

Perseguida pela alquimia e pelo impulso de compartilhar.

Como provocar inquietações e criações poéticas em outras pessoas, a partir das idéias/conceitos/signos dos processos alquímicos?

PROGRAMA INTUITIVO (aquele que nasceu no impulso):

- Sem rascunho e sem ideias pré-concebidas, escrever 7 cartas destinadas aos 7 companheiros do núcleo de performance 7direções.

- Para cada um escolher 1 procedimento diferente existente na Alquimia, de acordo com o que a intuição disser que seria propício a ele(a).

- Proposições comum a todos: escrever em fluxo automático, criar uma ação poética (performance/cena/roteiro) e me enviar vestígios/fotos por email.

- Outros dispositivos performáticos foram variáveis, de acordo com cada um e cada processo.

Que a disseminação provocativa de operações alquimicas sobre si se propague!

E que o Vale do Pavão nos traga mais inspirações!

post by Janaina Carrer


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Vale do Pavão, 18/01/2015


Chegamos e o dia já começou com trabalho. Depois de um pulo no poço (merecido) construimos ela, "A Composteira" ;-)


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ELA, escondindinha pra fazer segredo,rs.

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Vale do Pavão, 19/01/2015


PROGRAMA 1: Digestão Ação básica, instintiva, primitiva: comer. Comer o máximo de frutas que conseguir. Guardar os restos. Despejá-los na composteira. Cobrir com grama seca.

Inicio comendo normalmente, provavelmente não vai me doer comê-las, penso. Logo na terceira fruta começo a enjoar. Aguento e sigo. Tento não fazer caretas. Como pode até um fruta boa me embrulhar o estômago? Penso que tudo em excesso é negativo. Disparo a pensar no excesso que penso. Começam os enjôos reais. Penso que devo vomitar. Pode ser isso, chegar ao excesso do excesso e despejá-lo na composteira. Mas penso que não é necessário. PARO. é demais pra mim. E é só o começo. Há tanto tanto para ser apodrecido e renovado…


(foto de registro)


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No mesmo dia ainda fizemos uma caminhada atrás de terra para o último dia.


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Vale do Pavão, 20/01/2015


Dia intenso.

PROGRAMA 2: Expurgação escrever sem parar durante 1 hora em uma máquina de escrever. sem chance para apagar nem arquivar. sem parar para pensar. rasgar o que se escreveu. lançar a terra para virar adubo de novos verbos

Pensamentos que viraram palavras, palavras rasgadas que foram a terra. Processo de matar vestígios antigos. Pensamentos secos. Sentimentos castradores. Desejos apegados. Medos enraizados. Tudo vindo a tona em uma hora ininterrupta. O pensamento corre mais devagar para o dedo acompanhar a máquina. Desaceleração do pensamento e transformação deste em palavra real, sem volta, sem borracha, sem chance para 'rever'. Processo (in)tenso, doloroso. Lágrimas naturais quando você começa a se escutar. Como posso ter pensado isso tanto tempo? Hora de levar a terra e transformar.


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PROGRAMA 3: Separação capinar o jardim sob o sol quente. separar o capim velho, feio e morto da grama. colocar ao sol até virarem galhos secos que serão usados na composteira.

Meditação ativa. Começo ansioso. Puxa de um lado, puxa de outro. qual a melhor estratégia? Pouco a pouco a ação vence o pensamento. Relaxamento com suor. A criação surge em desenhos. A tranquilidade abre espaço para silêncios.


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E no mesmo dia um pouco mais de preparação na composteira para o que virá. E no rosto a alegria de aqui estar :-)


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Vale do Pavão, 21/01/2015

PROGRAMA 4: Putrefação Despejar-se na composteira. Cobrir com terra e galhos secos. permanecer o tempo que conseguir.

Uma sensação angustiante de que não dará certo. Ansiedade e nervosismo que toma conta enquanto sinto a terra me cobrir. Formigamentos, coceiras, tensão, não consigo relaxar. falta terra? tem uma formiga aqui? escolhi a posição certa? Leva muito tempo até que, depois de estar coberta pela grama seca, olho para o céu com calma. Começo enfim a respirar. Meus olhos agora não conseguem se mover, fixo o azul do céu de tal forma que já não sinto nada. Um peso leva meu corpo para a terra. Um ar leve me suga para cima. Adormeço de leve.

Algo se mexe ao meu lado, acordo. Olhos ao céu de novo; mal consigo mantê-los abertos. Um misto de sono e abondono do corpo. Leve flutuação acima da caixa. Deixo muitas coisas para a terra. Oscilo entre estar e voar.

Tempo. Quanto tempo se leva para morrer?

Um silêncio de pássaros me move. Aos poucos um corpo de ar quer se levantar. Não consigo com esta roupa-casca ficar e começo a me desvencilhar. Vou me embora para fora.

Tempo. Quanto tempo se leva para (re)viver?


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