Janaína Miranda

De wiki da nuvem
Ir para: navegação, pesquisa

Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2015.

(Após meu retorno da residência)

Para o período de residência na Nuvem, planejei experimentar o Vale do Pavão a partir da caminhada. Nesse processo, minha intenção era investigar, através da fotografia, a interação entre a natureza e os marcos deixados pela civilização, que em ritmos próprios, disputam a ocupação dos espaços e conformam arranjos temporários, como esculturas involuntárias. Esse trabalho foi pensado como um desdobramento do ensaio Heterotopias, que realizei ao longo de 2014. http://janainamiranda.com/Heterotopias

Pensando no caminhar como uma prática estética, um ato em fluxo que configura paisagens, deixei me perder pelo Vale, pelas diversas bifurcações que iam surgindo na estrada. Não sem algum método; eu esperava explorar todas as bifurcações. Mas o mundo é maior e eu descobri os quintais. Eram universos cheios de particularidades, alguns compridos que tinham dois acessos, por estradas diferentes, e aí eu já não sabia mais de onde eu tinha vindo. O método falhou. Meu planejamento fracassou. Mas foi lindo ver isso acontecer.

Janaina miranda bifurcacao.jpg

Nas primeiras horas explorando o Vale, percebi que estava sendo seguida por dois meninos. Pareceu curioso e entrei no jogo. Fingia ignorar a presença deles. Depois de algumas horas, resolvi assumir que eu estava sabendo e “pronto, gente, já sei que vocês estão aí. Me contem o que vocês acham que seria legal eu conhecer por aqui?”. Uma voz de trás de um arbusto diz que ali “não tem nada para conhecer”. Perguntei o nome deles e um respondeu “A gente não tem nome”. “Tudo bem, não querem interagir”, pensei e continuei o caminho. Nessa hora, avaliei com meu pequeno conhecimento de campo que o sol já estava se pondo atrás do Vale e que era hora de começar a voltar.

Voltando pela estrada, os garotos gritam: “ei, ei, por ali” e uma mão em formato de seta aponta um caminho. Não sei, mas achei que tudo bem acreditar nessas pessoas sem nome e perguntei: “O que tem lá?”. “Uma cachoeira com um Bu-da!”. E eu passei ali perto e não vi nada disso, como pode? Falei que topava ir lá se eles fossem na frente e me mostrassem o caminho. Eles aceitaram. Entramos num quintal, a casa estava fechada. Tinha um mini-vale e atrás dele, lá estava a cachoeira com um buda amarelo. A cachoeira foi meio decepcionante. A narração da sua existência pareceu mais atraente. Uma queda d’água fraquinha, mas num lugar incrível. Tentei fotografá-los algumas vezes, mas eles eram fugidios. Se escondiam muito rápido. Um tinha um capuz. Puxou e disse enfaticamente que não gostava de ser fotografado. Seguimos o nosso caminho e eles me mostraram mais outros quintais fantásticos. Nesses quintais, voltávamos à estaca anterior. Eles se escondiam e ficavam me observando enquanto eu descobria esses lugares. Quando eu achava que eles estavam distraídos, tentava fotografá-los. Mas eles nunca estavam distraídos e sempre fugiam. Sob pena de perder a confiança deles, parei.

Voltei pra Nuvem e nunca mais os encontrei. Seguiu-se que, nos próximos dias, eu saía cedo para caminhar ou bem no fim da tarde. Me parecia que nessas horas de transição, dia-noite, os encontros mágicos eram mais propícios de acontecer. Contei o que tinha acontecido para alguns dos residentes e eles acharam que parecia viagem. Que nas fotos teriam flashes de luz ao invés de meninos. Rimos. As fotos comprovam. Rimos.

Partindo daquela imensidão verde e dos encontros, que eram muito concretos, criei uma ficção do que foi essa experiência no Vale. Acho que o perspectivismo ameríndio do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro me tornou mais generosa e sensível à existência desses outros olhares. http://pt.wikipedia.org/wiki/Perspectivismo

Não levei computador para a residência, então não tinha como descarregar e ver o que eu estava fazendo. Via na câmera e imaginava edições. Acabou sendo um processo mais intuitivo e menos controlado. Em casa, editando o trabalho, “Venus as a boy” da Bjork tocando, momentaneamente achei que seria um bom nome. Vênus. Fui olhar no wikipedia e está lá:

“Depois da Lua, é o objeto mais brilhante do céu noturno... Vênus atinge seu brilho máximo algumas horas antes da alvorada ou depois do ocaso, sendo por isso conhecido como a estrela da manhã (Estrela d'Alva) ou estrela da tarde (Vésper); também é chamado Estrela do Pastor.”

http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%A9nus_%28planeta%29

As fotos têm um verde profundo e um elemento brilhante. Vou guardá-las como estrelas. Um corpo de outro tempo que emite luz e te encontra aqui e agora. Mas ainda não estou certa quanto à “Vênus”. Estou sujeita a mudanças.

Para ver o trabalho: http://www.janainamiranda.com/Venus