Ana Schlimovich
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anacrônica
sempre guardei uma frase que ouvi no museu nacional de austrália, numa apresentação multimídia sobre o país, diziam: ainda somos jovens demais como para autodefinirmos.
foi a minha desculpa durante todo esse tempo. mas a medida que os anos passam, a frase, e ainda mais a desculpa, vão perdendo consistência.
não consigo me definir, ainda. mas hoje vou dizer que sou cronista, pois esse é o meu fio condutor, relato o que vejo, o que viajo, o que sinto, o que experimento, usando diferentes ferramentas, a maior parte delas de forma autodidata: fotografia, jornalismo, crônicas de viagens, textos, vídeos, design, estilismo, poesia, teatro, e queria tanto dizer música, mas não, é a musica dos outros a que acompanha as minhas criações.
quatro elementos
levei quatro elementos com um propósito fixo para a casa da nuvem: carne de soja moída, arame, velas e uma câmera de fotos que fotografa mal mas filma decentemente. usei todas elas. fiz um molho bolonhesa vegetariano, hambúrguer de soja (tem a receita na wiki da nuvem), construi candelabros, usando o arame, vidros de geléias sem tampa que estavam na cozinha da casa, e três tons de terra da área, que tinha visto no trabalho de luzia de mendonça, também usei a câmera para filmar a caminhada até a cachoeira do marimbondo, e fiz um vídeo com trilha sonora do rio marimbondo que passa, eterno, pelo quintal da casa-nuvem. para não jogar fora, nem deixar abandoados no computador, com os thumbnails dos filminhos fiz postais, que pretendo imprimir e enviar pelos correios para o pessoal da nuvem, agora que fiquei sabendo da expectativa de criança que gera ir até visconde de mauá para perguntar se chegou correspondência.
vem nu
thumbnails postcard
residencia-convivência
. entendi que meus pés merecem um calçado confortável para fazer trilhas. . admirei a disciplina da luísa -a rainha dos temperos- para fazer a sua sessão de ioga todo dia e em jejum, e invejei um pouco. . aprendi a fazer requeijão numa aula demonstrativa do bruno, ficou uma delícia. o dele, eu ainda não tentei. . descobri uma linha de sandálias havaianas do estilo crocs, no mercado que está a 400 metros da nuvem, mas só tinha número 34 e 39. . fiquei curiosa com as pesquisas do ícaro, seus papéis, que ia catando pela casa e colando numa livreta. e valorizei a sua atitude sempre colaborativa. . soube pela luísa que a linhaça misturada com água, faz uma liga que substitui o ovo. . vi o quanto sou dependente da internet. . tive a chance de compartilhar um bom tempo com a minha amiga e coterrânea lula, alma organizativa da troupe e ver com os próprios olhos, tudo aquilo que ela me contava. fiquei com a firme sensação de que ali de fato estava se fazendo um belo e importante trabalho. fiquei mais orgulhosa da minha amiga. . bebi café como nunca na vida. . fiquei pensando nas coisas que a cíntia falava, como isso de que a memória é olfativa, e gostei da sua luta tenaz para conseguir mudas de plantas de sementes naturais -não transgênicas-, coisa cada vez mais rara em nosso planeta, por incrível que pareça. . revivi o mal que tinha deixado na argentina. os pés absurdamente gelados, que até não esquentar, não me deixam dormir. . me senti intimidada pela capacidade dos outros artistas. . comprovei que cozinhar para outros deixa a sua comida mais saborosa e confirmei algo que já intuía: que para ser um bom artista primeiro precisa-se ser um bom ser humano. isso, na experiência nuvem fica bastante claro.
o resto, continuarei tentando, errando, procurando, aprendendo, relatando, tal vez estudando, e com certeza me salvando através da criação, quem sabe um dia ainda nessa vida consiga me definir, e se não, a caminhada me basta.
mini bio
Ana Schlimovich é argentina, publicitária, redatora, fotógrafa e cronista de viagens. Também trabalha com vídeo, design e estilismo. Tem uma marca própria de roupa, faz poesia em português e cada vez mais está envolvida com a reciclagem criativa.